9.9.10

China, a grande esperança para o capitalismo? (2)


Há menos de um mês, quando foi notícia o facto de o PIB da China ter ultrapassado o do Japão, escrevi neste blogue:
«Curiosamente, parece esperar-se que a China seja uma das bóias de salvação para a actual crise mundial do capitalismo – se não a única, pelo menos a principal -, na exacta medida em que se transforme numa grande potência consumidora, não só do que produz mas também do que vier a importar. (…)

Não vale a pena a dizer que o erro está em tentarmos interpretar uma realidade diferente com os nossos olhos ocidentais, porque tudo hoje se tornou muito mais próximo, e consequentemente parecido. O capitalismo «budista» chinês tem certamente muito mais afinidades com Wall Street do que com o «Gross National Happiness» do vizinho Butão.

Estou enganada ou há aqui muita matéria para reflexão?»

E a dita reflexão aí está, num texto do João Bernardo, com muita informação detalhadamente referida e analisada. Leitura recomendadíssima! Dois curtos excertos:
«Mesmo para quem só leia apressadamente as notícias, a China aparece como o derradeiro recurso do capitalismo mundial, o país mais importante entre os BRICs, um colosso sem o qual nada se faz na economia. (…)

Em suma, observo na China condições favoráveis ao pleno desenvolvimento do capitalismo. A elevada taxa de crescimento económico permite aumentar os salários e o consumo privado, mas permite que aumentem mais ainda os lucros das empresas e os investimentos. E este dinamismo tem capacidade para resistir às vicissitudes exteriores, porque se deve à situação interna do país e não depende fundamentalmente do mercado constituído pelos Estados Unidos e pela União Europeia, afectados pela recessão ou pela estagnação. O aumento da produtividade é o mecanismo que dá azo à ampliação dos lucros ampliando simultaneamente os salários, num círculo desenvolvido em espiral.»

Sem tentar assimilar esta realidade, não vale a pena olhar para o umbigo europeu.
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5 comments:

Manuel Vilarinho Pires disse...

Bom dia, Joana,

Não sei se o capitalismo está à espera de uma tábua de salvação, ou se vai simplesmente vivendo, umas vezes melhor, outras vezes pior.

Esta análise que citas tem uma bateria formidável de estatísticas onde detecta tendências nítidas. Mas esquece-se de avisar que tendências passadas não são garantia de tendências futuras (aviso que as vítimas da crise financeira receberam mas ignoraram, btw). Ou de fazer uma análise mais profunda aos fundamentos que ditam as tendências.

O crescimento é a razão entre o aumento da actividade económica e o tamanho da economia.

À medida que o PIB chinês vai crescendo, as taxas de crescimento vão sendo cada vez mais difíceis de sustentar por mero efeito aritmético.

O grande motor da actividade económica chinesa são as exportações, que crescem muito mais que a economia, se bem que com maior sensibilidade às crises económicas globais, evidentemente.
E o factor chave do sucesso das exportações é o baixo custo de produção, fundamentado no baixo custo da mão-de-obra.
Se o PIB per capita é 14 vezes inferior ao americano, e a assimetria de distribuição de rendimentos for semelhante (não sei se é, mas cheira-me que sim...) os salários actualmente são 14 vezes inferiores aos americanos.
À medida que a economia chinesa for crescendo, este factor só mantém a sua influência actual se os salários não crescerem.
Em capitalismo isso é impossível. A concorrência no mercado de trabalho, aquele monstro que reduz a dignidade do trabalho humano a uma mercadoria transacionável, não o permite, e vai forçando um crescimento dos salários. Em comunismo, talvez...
Se os salários crescerem, o grande factor de vantagem competitiva da China vai-se esbater gradualmente, e as tendências actuais vão deixar de se repetir no futuro.
Quando isso acontecer, a China estará (já está) sentada em cima de uma montanha de dinheiro. Mas terá uma economia que, se não se alterar qualitativamente de forma muito significativa, terá grandes debilidades competitivas.
Suponho que, como eu, não hesitas em comprar copos de piquenique numa loja chinesa. Ou roupa. E deves ter a casa cheia de electrónica (de montagem) chinesa. Mas sentir-te-ias à vontade a voar num avião chinês? "A melhor fábrica de papel do mundo" não tem nenhum equipamento industrial chinês. E foi à China à procura.
Sem a vantagem no preço, as exportações chinesas têm pouco que oferecer.

Resumindo, a única forma de manter a tendência actual de crescimento da economia chinesa é impedir o crescimento dos salários através das técnicas de gestão de recursos humanos socialistas... aquilo que na minha adolescência se designava por "exploração do homem pelo homem"...

:-)

Joana Lopes disse...

Manel,
Discordamos numa das premissas e, por tabela, em conclusões.
Disse no post do Brumas que linko neste: "As recentes greves, sobretudo em empresas multinacionais, de que resultaram aumentos salariais significativos, são certamente ainda uma gota de água, mas mostram que se avança numa direcção aparentemente sem retorno e que «a competitividade chinesa já não assenta só na mão-de-obra barata, mas também nos avanços tecnológicos»".

Manuel Vilarinho Pires disse...

Óptimas notícias!
Para os operários chineses, que já não são triturados por fazer greve e até conseguem para si uma parte dos lucros fabulosos das empresas que lá operam, e para o ocidente, que à medida que os salários dos chineses vão aumentando vai ganhando competitividade comparativa com a China.

Relativamente às premissas, dou de barato que a competitividade da China vai (ou está a) deixar (devagarinho, que multiplicar por 14 demora muito...) de ter a mão-de-obra barata como base, que é a parte em que estamos de acordo.
Não consigo é dar como adquirido que a competitividade vai passar a ser baseada nos avanços tecnológicos? Porque é mais difícil fazê-lo do que querê-lo e dizê-lo. O Japão tentou-o, produziu avanços tecnológicos fabulosos, em determinada fase pareceu imparável, mas não conseguiu uma competitividade sustentada.
Acolher indústrias de alta tecnologia não assegura só por si competitividade tecnológica. Não é, Quimonda? Nem comprá-las com a montanha de dinheiro chinesa o assegura, não é, Lenovo? Rapara que eu digo isto assumindo que a índústria chinesa de alta tecnologia é essencialmente de montagem, e não de criação, e posso estar errado por falta de informação. Mas há indicadores fiáveis de criação tecnológica, as patentes. Conheces estatísticas de patentes comparando a China com o Ocidente ou as outras economias orientais, como o Japão ou a Coreia?

Joana Lopes disse...

Propõe ao Vítor T. que faça esse estudo comparado de patentes. Ficará encantado :-)

Manuel Vilarinho Pires disse...

Ando a ter uma conversa com ele no FB, não sei se tens acesso e se já a viste?