Já li dezenas de textos a propósito da morte de Malangatana, mas este será com certeza diferente.
Primeiro, porque tenho aqui perto, desde há muitos anos, este autoretrato que ele pintou numa folha do Record e me ofereceu – é exemplar único.
Segundo, porque talvez ninguém tenha andado aos saltos com Malagantana numa cama elástica e eu andei. E, desde esta manhã, é assim - a brincar e não com elogios fúnebres - que ele não me sai da cabeça e que me apetece referi-lo.
Era um daqueles fins-de-semana prolongados, com um feriado que os espanhóis sempre teimaram em não festejar connosco (5 de Outubro, se não me engano), e mandava a tradição que se desse uma saltada a Espanha, de preferência em grupo e em caravana. Badajoz era quase sempre o modesto destino mas, dessa vez, foi-se até Madrid nuns belos dias do Outono de 1972.
Já não sei bem como nem porquê, um dos serões acabou algures numa espécie de cabaré onde estava em cena um espectáculo mais ou menos ginasticado. A páginas tantas, pediram insistentemente que dois espectadores fossem ao palco e saltassem, alternadamente, em cada uma das pontas de uma cama elástica. O Malanga e eu decidimos entrar na brincadeira e, como ele nunca foi leve e eu ainda não tinha engordado, cada um dos seus impulsos fazia-me subir quase ao tecto, para grande gáudio de toda a assistência – voei, no sentido estrito da palavra, como nunca me aconteceu na vida, nem antes nem depois.
Ao longo dos anos, sempre que nos reencontrávamos, ele repetia, com aquele sorriso inesquecível e do tamanho do mundo: «Patrícia, temos de voltar a saltar numa cama elástica!». Mas não voltámos. Nem voltaremos. Porque o salto dele foi hoje solitário e enorme e rasgou definitivamente o elástico.
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8 comments:
eu já só o conheci forte. Homem grande de capulana até aos pés desnudados numas sandálias, uma mão de cada lado da minha cara e um beijo na minha testa.
Um olhar por mim a dentro e um sorriso que adorei naquele homem que me pareceu uma imensidão. Umas mãos tão grandes e delicadas. Gostei de Malangatana mais ainda.
Se já antes o era, desde aí é o meu pintor da minha terra.
:)
E da minha, cs, embora só o tenha conhecido em Lisboa.
Não sei porque e de que morreu
que sei eu?
Talvez de tristeza...
como posso ter a certeza?
(rima triste, esta minha...)
Bonita memória!
lindo!
quando morrer, hei-de gostar que alguém escreva um texto parecido com este.
que seja daqui a muitos anos e, entretanto, um abraço
Obrigada, Ana Cristina, e reapareça...
Rogério Pereira o velho, com toda a certeza que não morreu de tristeza
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