13.2.11

Evocações, homenagens


Frei Bento Domingues publicou, no Público de hoje, um texto sobre uma sessão de homenagem a Nuno Teotónio Pereira, na qual foram evocadas as actividades de duas cooperativas fundadas nos anos 60 – a Pragma e a Confronto –, sessão essa que já foi largamente noticiada neste blogue.
Antes de mais, refira-se que o Frei Bento não foi só um entre as centenas de participantes que encheram a sala, nem sequer um simples compagnon de route de grande parte deles, mas sim um protagonista, desde as primeiras horas, de tudo o que esteve em causa naquela tarde: a Pragma, a Confronto e muitas outras iniciativas, legais e clandestinas, que envolveram católicos progressistas, e não só, nas lutas contra a ditadura.
De louvar que tenha decidido recordar publicamente a pessoa da Natália Teotónio Pereira, através da publicação de parte de um texto escrito pelo Nuno e que foi publicado originariamente neste blogue.

1. No passado dia 5, numa grande sala, completamente cheia, da igreja do Sagrado Coração de Jesus, obra arquitectónica de Nuno Teotónio Pereira e de Nuno Portas, declarada, em 2010, monumento nacional, foi prestada homenagem a Nuno Teotónio Pereira, lembrando duas cooperativas – a Pragma (Cooperativa de Difusão Cultural e Acção Comunitária, 1964-1967, Lisboa) e a Confronto (Cooperativa Cultural, 1966-1972, Porto) – às quais esteve intimamente ligado, desde a fundação até serem encerradas pela ditadura.

Nuno Teotónio já recebeu muitas homenagens, condecorações e prémios. Todos são insuficientes para celebrar esta personalidade rara. Na sua intervenção, Jorge Sampaio marcou, com ênfase, que esta figura não pode ser anexada por ninguém. Não cabe em nenhuma classificação, em nenhum grupo, em nenhuma das suas obras. Sempre empenhado no concreto, fica sempre acima das circunstâncias.

No final da sessão, Nuno Teotónio agradeceu: “Estou velho, estou a chegar aos 90 anos. Há órgãos que me estão a falhar. Um deles é a memória, que se está a desfazer como pó, o que me causa um certo sofrimento. Além da perda da visão. Mas estou muito contente, porque esta sessão, tendo sido anunciada como de homenagem à minha pessoa, e não deixando de o ser, fez também justiça a todos aqueles que conhecemos e lutaram naqueles anos difíceis”.

2. Esta homenagem, muito bem preparada, incluía uma apresentação do livro de Mário Brochado Coelho, Confronto – Memória de uma Cooperativa Cultural, Porto 1966-1972, das Edições Afrontamento. A Confronto foi um lugar de diálogo entre pessoas, ideias e grupos diferentes mas que se situavam dentro de um quadro mínimo de defesa dos direitos humanos e oposição política ao regime fascista de Salazar e Caetano.

Como o próprio autor sublinhou, contrariando a nossa habitual tendência de “fazer história” com base num ponto de vista único centrado exclusivamente em Lisboa, procurou recuperar e dar a conhecer os principais traços do nascimento, actividade, encerramento e significado desta instituição político-cultural do Porto. Ao longo dos anos, a Pragma, situada em Lisboa, foi sempre conhecida, referenciada e glorificada, e a Confronto, como era do Porto, era a ignorada. Era como se não existisse. Mário Brochado Coelho, ligado à Pragma desde o começo e um dos fundadores da Confronto, resolveu acabar com esta ignorância, traição à memória e à verdade, mediante uma rigorosa investigação. O resultado está, agora, num livro notável e absolutamente incontornável.

Júlio Pereira, das Edições Afrontamento, lembrou a história militante deste nome, recebido dos Cadernos Afrontamento dos anos 60, pois “quando a desordem se torna ordem, uma atitude se impõe: afrontamento”.

3. Mário Brochado Coelho, ao evocar alguns nomes, fez com que esta sessão fosse, também, uma sentida homenagem a Maria Natália Duarte Silva Teotónio Pereira que morreu, de forma trágica, em 1971 aos quarenta anos. Precisamente, há quarenta anos!
Num texto do Nuno, preparado para um colóquio, no Museu da República e da Resistência, em 1996, pode ler-se: (…) “Pela força das suas convicções, pela coragem e pela determinação que punha em tudo em que se empenhava, pode dizer-se que foi a alma de muitas das actividades contra o regime, desenvolvidas nos meios católicos, desde a campanha de Humberto Delgado até à sua morte. E fê-lo sempre com um grande sentido de trabalho em comum, suscitando colaborações e entusiasmos. Entre essas actividades, podem destacar-se: o jornal clandestino Direito à Informação, policopiado, de que foram publicados dezoito números de 1963 a 1969; a vigília de S. Domingos, com a ocupação da igreja para um debate sobre a guerra colonial, durante toda a madrugada do 1º de Janeiro de 1969; o jornal Igreja Presente, impresso em Madrid, passado clandestinamente na fronteira do Caia e depois distribuído pelo país, quando da censura imposta à Imprensa sobre a viagem de Paulo VI à Índia; o Manifesto dos 101, quando da farsa eleitoral de 1965, que bateu à máquina e para o qual se empenhou em angariar assinaturas; a Comissão Nacional de Socorro aos Presos Políticos, da qual foi, juntamente com Maria Eugénia Varela Gomes e Cecília Areosa Feio, uma das impulsionadoras; os cadernos GEDOC, publicados pelo Pe. Felicidade Alves também clandestinamente; os Sete Cadernos sobre a guerra colonial, que passou integralmente à máquina em 1970, publicados depois do 25 de Abril, pela editora Afrontamento com o título Colonialismo e Lutas e Libertação, de que foram distribuídos os primeiros exemplares quando da sua morte” (Cf. Entre as brumas da memória).

Na cronologia estabelecida por A. J. Matias, consta que, em 1971 em Lisboa, os católicos progressistas iniciaram encontros aos “terceiros sábados” de cada mês para debate teológico, político e celebração litúrgica. Estes encontros fundamentais que se desenvolveram até ao 25 de Abril – e até um pouco depois – são fruto da resolução da Natália, tomada na Sexta-Feira Santa de 1971 (Cf. Cada pessoa traz em si uma vida, p.183). Já não pôde participar neles, mas nasceram da sua vontade de harmonia entre sentir, pensar e agir.
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