4.2.12

Blogosfera para além de Pacheco Pereira


Na sua crónica semanal no Público (sem link, mas transcrita na íntegra no fim deste post), José Pacheco Pereira (JPP) disserta hoje sobre o estado actual da blogosfera portuguesa e reflecte a posição que tem sobre a mesma desde a escolha do próprio título: «Por que razão os blogues têm cada vez menos importância?».

O texto é longo, tem partes com que concordo, mas peca, na minha opinião, por generalizações fáceis e apressadas – como acontece quase sempre que se generaliza apressadamente…

Refiro-me ao que é dito sobre os chamados «blogues políticos», os quais, para JPP, estão «em profunda crise, (…) perderam independência, autonomia e transparência» e «são por isso menos interessantes, menos importantes e têm menos leitores».

Porquê? Em resumo porque «a agenda dos blogues tornou-se a agenda comunicacional; os blogues tornaram-se espelhos miméticos dos partidos e fracções políticas, e os blogues são hoje uma “área de negócio”».

Há milhares de blogues predominantemente políticos activos em Portugal e, como simples mortal que é, JPP só deve conhecer uma zona relativamente limitada dos mesmos. E eu concluo que devo andar, pelo menos parcialmente, por outras diferentes.

Se é certo que a blogosfera evoluiu (estranho seria se tal não tivesse acontecido…), dizer, por exemplo, que estes blogues se tornaram «meros acrescentos dos partidos políticos e das suas facções» e que «parecem-se cada vez mais com secções das “jotas” partidárias» é algo em que nem me revejo de todo como blogger, nem consigo identificar, por exemplo, na lista de mais de vinte blogues que mantenho como «permanentes» na barra lateral e que, de certo modo, «recomendo» – nem nos grandes, nem nos pequenos, nem nos de esquerda, de centro ou de direita. Mais: como uma ou outra excepção, nem os colectivos são monopartidários quanto à sua composição, nem algum dos individuais pode ser considerado correia de transmissão do que quer que seja e, na sua esmagadora maioria e tanto quanto sei, são de bloggers sem partido.

Quanto à convicção de que os blogues políticos têm cada vez menos leitores, não sei de que está a falar JPP. Não ando a estudar audiências, mas hoje fui percorrer o Blogómetro e não me parece que, de um modo geral, o número de visitas tenha tendência para diminuir – muito pelo contrário e tanto no que se refere aos «turbo» blogues como aos outros. No que diz respeito a esta casa, em comparação com semanas e meses equivalentes dos dois anos passados, a média diária de visitas mais do que triplicou.

Muito mais haveria a dizer, mas ficam apenas duas observações:

- JPP omite a influência das redes sociais na blogosfera, que é muito significativa. Não só por serem fontes de acesso para muitos leitores, mas também e sobretudo porque alimentam os blogues com um certo tipo de informação que, ao contrário do que JPP afirma («a relação de “novidade” vem dos jornais para os blogues e não o contrário»), a comunicação social não veicula de todo ou fá-lo tardiamente. E há muitos leitores de blogues que, pura e simplesmente, recusam aderir ao Twitter ou ao Facebook e continuam fiéis à blogosfera.

- Por outro lado, parece-me que JPP confunde, ou mistura, partidarismo com «militância». Talvez pelas características da época que atravessamos, julgo que há cada vez mais bloggers, nada dependentes partidariamente, que utilizam o seu espaço na defesa de «causas», iniciativas e projectos, nacionais e não só, e na difusão de informação sobre os mesmos. São talvez os mais procurados, da direita à esquerda (são esses que eu mais procuro…) e parece-me normal que assim seja.

Resumindo e concluindo: a idade da inocência da blogosfera terminou certamente, ela está mais «dura», certamente menos elitista, mas nem por isso com menos importância. Mas é óbvio que cada um a vê através do seu prisma de cristal…

Texto do Público:

Perguntas que não levam a parte nenhuma (II)

POR QUE RAZÃO OS BLOGUES TÊM CADA VEZ MENOS IMPORTÂNCIA?

Os blogues são colunas de opinião pessoal, diários, listas de notas, colecções de documentos, fotografias, vídeos, auto-editados, ou seja, sem terem qualquer intermediação como é suposto existir nos órgãos de comunicação social. Essa intermediação faz-se pelo trabalho de edição e pelos saberes e regras do exercício profissional do jornalismo. Os blogues podem aproximar-se muito dos órgãos de comunicação social, podem inclusive ser feitos com as regras do jornalismo, podem inclusive em muitos casos produzir jornalismo, mas sendo auto-editados são mais parecidos com as edições de autores ou com revistas em que o seu criador define todas as condições da sua publicação. A facilidade e gratuitidade da sua plataforma de publicação, a dimensão do seu público potencial e a sua inserção nos mecanismos da Rede, como é o caso do hipertexto, da interactividade, da conjugação com as redes sociais, tornam-nos uma nova realidade comunicacional.

Os blogues, com este ou outro nome, vieram para ficar. Os blogues são a “voz própria” individual, potencialmente de todos para todos no espaço público, mesmo que o sejam apenas para meia dúzia de amigos e não haja nenhuma garantia, bem pelo contrário, de qualidade e interesse dessa voz. Isso é novo, e ainda nada o substituiu e não desaparecerá pelo facto de haver Facebook ou o Twitter, que exercem funções diferentes de forma diferente. Aumentou imenso a logomaquia no espaço público, com todos os defeitos de irrelevância, presunção, arrogância, ignorância e pura tontice, do que se diz, mas o instrumento está lá e tem um papel social ineludível.

Há uma parte da chamada blogosfera nacional em que os blogues políticos tiveram e tem um papel central. Não é nada que não fosse previsível, dada a grande politização do espaço público, em que apenas o futebol, com outras características, ocupa um papel de relevo semelhante. Essa parte da blogosfera política está em profunda crise e explica por que os blogues políticos têm cada vez menos importância. Há várias razões para tal acontecer, e vou referir apenas três: a agenda dos blogues tornou-se a agenda comunicacional; os blogues tornaram-se espelhos miméticos dos partidos e fracções políticas, e os blogues são hoje uma “área de negócio”, quer em termos da gestão de carreiras individuais, principalmente no plano político, quer para agências de comunicação, marketing, etc., que actuam nesse meio para servirem os seus clientes. Tudo isso significa que os blogues políticos perderam independência, autonomia e transparência. São por isso menos interessantes, menos importantes e tem menos leitores.

A agenda dos blogues é hoje a da comunicação social, interagindo mais a favor dos media do que dos blogues. Ou seja, os temas não só são cada vez mais os mesmos, como a relação de “novidade” vem dos jornais para os blogues e não o contrário. Nos primeiros tempos da blogosfera, os blogues discutiam e cobriam muito do que não vinha na comunicação social e essa diferença introduzia novidade e interesse. Os blogues tinham que ser lidos para se saber o que tinha ocorrido num colóquio, num espectáculo, num evento, que a comunicação social não cobria, e ao mesmo tempo aproximavam-se dos acontecimentos com pontos de vista muito diferentes e fora do ciclo excitação – esquecimento dos media tradicionais. Foi nos blogues que se “ressuscitou” uma questão que os media já tinham enterrado, a do aeroporto da Ota, e foi nos blogues que se suscitaram as dúvidas sobre a carreira profissional do primeiro-ministro de então. Quer uma, quer outra questão tiveram imensas consequências que ainda estão “vivas” hoje.

Ao mesmo tempo a “cor” política dominante nos blogues era muito diferente da que dominava o discurso dos media, e isso dava-lhes um sistema novo de referências, temas, questões, fora do mainstream. Os blogues estavam ou mais à direita ou mais à esquerda do que o mainstream, e muitas vezes pareciam verdadeiros ET ideológicos e políticos, que fascinavam, para o bem e para o mal, um novo tipo de leitores jovens que faziam a sua aprendizagem política mais na Rede do que nos media clássicos. Com o tempo, isto foi mudando e o que parecia então radical e novo tornou-se cada vez mais o novo mainstream, à medida que os media começavam a recrutar colunistas nos blogues, com raras excepções sem grande sucesso, e os partidos políticos da oposição ao PS começavam a deslocar-se para o interior dos blogues, encontrando aí novas formas de recrutamento e criando expectativas crescentes de carreira, quando se começou a dar a mudança política.

A mudança política de 2011 foi mortífera para os blogues, começando a notar-se os seus efeitos perversos cerca de dois anos antes do fim do “socratismo”, quando, muito à portuguesa, começou a debandada para a “zona de conforto” que a nova situação anunciava e mais tarde concretizou. Infelizmente para os blogues, bastou um ciclo de mudança política para mostrar como todos os defeitos da vida política portuguesa — o espírito de obediência, a falta de independência crítica, a absurda redução de tudo à dicotomia situação/oposição, e o puro oportunismo pessoal de um país em que a fome é muita e os empregos escassos —, para tornar os blogues meros acrescentos dos partidos políticos e das suas facções. O clubismo político instalou-se e com ele a desertificação ideológica, os silêncios e as falas de conveniência, a submissão ao novo unanimismo, o espírito de claque em guerra com os adversários, e de um modo geral a completa mediocridade daquilo que passa por ser o debate político em Portugal. Os blogues políticos parecem-se cada vez mais com secções das “jotas” partidárias.

Por último, os blogues perderam transparência, à medida que se tornavam cada vez mais “lucrativos”. As agências de comunicação e marketing começaram a investir nos blogues, sempre sensíveis ao que “estava a dar”, a promiscuidade e o trade off com os jornalistas acentuou-se, os partidos políticos e as redes de poder, como certas lojas maçónicas, começaram a recrutar nos blogues. O Governo Sócrates criou um falso blogue anónimo para intervir na blogosfera, usando informações e meios governamentais, o Governo Passos Coelho foi aos blogues buscar pessoal político, assessores, gente do marketing, jornalistas cuja opinião política era exposta nos blogues, em particular para criar novas equipas de propagandistas.

Todos os tiques do confronto político subjugado à carreira e ao interesse, se passaram com armas e bagagens para os blogues, e desertificaram o meio. Com o tempo, o instrumento perderá toda a eficácia, que já é pequena, e um processo natural de depuração se irá realizar. À medida que a blogosfera perder o seu impacto na política deixará de ser interessante para muita gente, e isso poderá de novo suscitar uma outra blogosfera diferente. Ou não.

Eu também tenho um blogue e deixo aos meus leitores o julgamento sobre em que medida se me aplicam as críticas que faço ao meio. E também convém enunciar que há excepções, quer pela qualidade de escrita e análise, quer pela independência e autonomia. Mas são excepções, não servem para caracterizar a coisa.
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7 comments:

Jonas disse...

Há outro erro no texto de JPP.

"Não é nada que não fosse previsível, dada a grande politização do espaço público, em que apenas o futebol, com outras características, ocupa um papel de relevo semelhante."

Lamento informar, mas os blogs mais visitados e que geram mais tráfego não são nem os de política nem os de futebol :)

São aqueles que os sitemeters e technoratis não mostram, por "pudor". São os blogs de senhoras com pouca ou nenhuma roupa.

Joana Lopes disse...

:-) Pois, Jonas, o JPP deve saber isso, mas também não diz por pudor...

Miguel Madeira disse...

Talvez esse não contem como "espaço público"

NG disse...

Concordo consigo, Joana. Uma parte importante desta assembleia e deste governo ganhou vida politica na blogosfera. É muito prematuro dizer que isso não vai acontecer nos seguintes. Nem estou a ver muitos meios tão acessíveis e democráticos onde partilhar, discutir e registar ideias com elaboração.

Luís Novaes Tito disse...

O JPP mede tudo pelo que lhe acontece.

Talvez o Abrupto sofra de todos os males de que ele fala, incluindo a audiência mas, como a Joana diz, fazia bem a JPP não ver tudo pela sua bitola.

Confirma-se que os umbigos crescem na razão directa do crescimento das barrigas o que, em certos casos, inviabiliza a visão do que lhes fica para baixo.

Joana Lopes disse...

Nem mais, Luís, estive tentada a dizer mais ou menos isso: há mais vida para além do Abrupto. E, neste momento, o Abrupto não tem muito mais audiência do que este escondido Brumas...

Pinto de Sá disse...

Pois eu suspeito que o JPP tem razão, e que é ESTE blog que é excepção, não a regra. Aliás, como o dele próprio...
... o que, a meu ver, explica precisamente a sua popularidade (sua, do blog dele e deste).