16.4.12

Quando o PPD era pela Reforma Agrária, mas…



Falar-se de «a terra a quem a trabalha», a propósito do leilão anunciado por Assunção Cristas, vem a irritar-me desde há alguns dias.

Hoje, o Diário de Notícias dá grande realce dá ao tema, dedicando-lhe duas páginas da sua edição em papel, com o significativo título: «Da Reforma Agrária à nova bolsa a terra é para quem a trabalha». Uma mistura de textos, alguns úteis porque refrescam a memória (embora tenha detectado algumas incorrecções) ou divulgam testemunhos sobre as condições complicadas em que o que é agora anunciado se vai passar, outros que revelam colagem às «boas intenções» governamentais e ignorância ou inconsciência ao insinuarem uma comparação, ou pelo menos aproximação, entre duas realidades que se situam nos antípodas: a Reforma Agrária e o leilão da Cristas. A título de exemplo, leia-se na p.4: «O leilão dos derradeiros hectares que restavam ainda da Reforma Agrária –“P’ra dar a terra àquele que a trabalha / Reforma Agrária faremos!”, cantava, em 1975, José Mário Branco com o GAC, eternizando a memória desse temposerve, no fundo, como um sinal de que o Governo pretende rentabilizar todas as terras disponíveis com potencial».

O cartaz que ilustra este post é de 1975, ano em foi publicado o primeiro texto integral sobre a Reforma Agrária (Decreto-Lei n.º 203-C/75, de 15 de Abril de 1975), completado uns meses mais tarde por um outro (Decreto-Lei n.º 406 – B/75, de 29 de Julho de 1975). Vale a pena relê-los, nem que seja em diagonal.

A história do que depois aconteceu está em grande parte por fazer mas resume-se grosseiramente, na memória colectiva, à condenação do PCP (todos sabemos que os comunistas fritavam criancinhas com torresmos nas cooperativas alentejanas…) e de alguns outros movimentos esquerdistas, seguida pela glorificação do 25 de Novembro que veio «restabelecer» a democracia e, entre muitas outras coisas, iniciar o processo com que António Barreto preparou o enterro da Reforma Agrária.

Era isso que o PPD já apregoava no cartaz que ilustra este post, embora se dissesse a favor (como não, em 75, antes de Novembro!…). Assunção Cristas talvez gatinhasse mas ainda nem saberia andar e nós não sonhávamos que um dia, 37 anos mais tarde, assistiríamos a este «leilão» – felizmente, para a nossa saúde mental.

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2 comments:

Septuagenário disse...

Agora é que vai ser o bom e o bonito.
Já toda a gente se esqueceu o que é o "ancinho",muitos jovens vão partir o nariz!

meirelesportuense disse...

Estas terras porventura são as que não foram reclamadas durante a contra reforma de António Barreto...Muitas foram pura e simplesmente abandonadas de há séculos...Foram ocupadas por pequenos trabalhadores rurais sem terras que se ofereciam nas Praças Alentejanas...Depois ficaram abandonadas e sem qualquer produtividade durante todos estes 37 anos...
-Mas agora vão ser oferecidas sem problemas nenhuns.
Quem as vai receber?...
-Barreto não tem jeito para a Agricultura? Provavelmente não, aburguesou-se muito e a Mónica está em histeria existencial -ela afirma-o nos jornais- porque não tem ninguém com nível suficiente em Cascais para debater os temas que mais lhe agradam...Imaginam a Mónica a falar em Strauss ou no Surrealismo com as vaquinhas alentejanas?... Não fora isso e teríamos António -mais um- a virar Agricultor em terras que ele próprio tirou aos agricultores verdadeiros, aos que usam a enxada, ancinho, gadanho e têm calos nas mãos...