13.5.13

No dia em que estive a um metro de Salazar e da irmã Lúcia



Foi há 46 anos, em Fátima, por ocasião da primeira visita de um papa a Portugal. Eu pertencia então à Junta Central da Acção Católica, uma poderosíssima organização que contava com mais de 100.000 membros e que, pela primeira vez na sua história, não era presidida por um bispo ou por um padre, mas sim por Sidónio Paes (pai de Bernardo Sassetti). Dela faziam parte, não só mas também, alguns dos chamados «católicos progressistas» que por lá andaram dois anos até entrarem em rota de colisão irreversível com o cardeal Cerejeira.

Quando se confirmou que Paulo VI viria a Fátima por ocasião do cinquentenário das aparições, em Maio de 1967, instalou-se uma grande consternação nos meios da oposição, sobretudo católica, pelo que seria visto, no mínimo, como uma quebra do isolamento em que Portugal se encontrava na cena internacional por causa da guerra em África – isolamento que aprovávamos e no qual depositávamos grandes esperanças, não só para a resolução do problema da guerra em si, mas para a própria queda do fascismo.

Todas as pressões para que a visita não acontecesse falharam, mas porque contra factos poucos argumentos nos restavam, passámos ao ataque, já que se havia algo que então nos caracterizava era a tentativa de «irmos a todas». Entre várias iniciativas, foi preparada uma a que se deu grande importância: a elaboração de um documento altamente sigiloso, a fazer chegar directamente ao Papa (e nunca através da Nunciatura...), no qual um numeroso grupo de antigos e então actuais dirigentes da Acção Católica e de outras organizações informava detalhadamente o Papa sobre a situação política e social existente em Portugal, por eles considerada inaceitável e mesmo contrária aos ensinamentos da própria Igreja – texto forte quanto a termos e quanto a conteúdo. Havia que garantir que o documento fosse entregue em boas mãos e alguém nos indicou a pessoa certa: um antigo secretário particular do papa João XXIII, que integraria a comitiva de Paulo VI. 

Como membros da Junta Central da Acção Católica fomos convidados privilegiados, juntamente com as autoridades civis e eclesiásticas, e estivemos por isso presentes, como tínhamos aliás exigido (em parte para que esta acção planeada pudesse ser levada a bom termo), na tribuna de honra, em Fátima, muito perto de Salazar e da irmã Lúcia (e do Papa e de Américo Tomás, claro...). Com o nosso livre- trânsito, circulámos por toda a parte e encontrámos facilmente o tal mensageiro seguro, a quem um outro membro da Junta e eu própria entregámos a preciosa missiva (sem que, por razões óbvias, os outros membros da Junta, que de nada sabiam, se tivessem apercebido de qualquer manobra). De Roma, viria mais tarde um cartão com a indicação de «missão cumprida».

Tudo isto parecerá hoje inócuo, mas não o era então. E saímos de Fátima com a consolação de termos feito uma finta durante um desafio em terreno mais ou menos adverso, num tipo de jogada em que as circunstâncias nos tinham tornado quase especialistas. E que nos divertiam bastante, devo confessá-lo.

Esta vinda de Paulo VI a Fátima, pela desilusão que constituiu, com tudo o que a precedeu e que a rodeou (e que seria longo contar aqui), foi decisiva para o lento abandono da Igreja por muitos católicos. João Bénard da Costa veio a escrever mais tarde: «Se me perguntarem de quando eu dato a minha saída da Igreja, respondo que do dia 13 de Maio de 1967, o dia da visita de Paulo VI a Portugal.» Quanto a mim, também nunca mais regressei às redondezas da Cova da Iria. A não ser para almoçar no Tia Alice
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1 comments:

João disse...

E a falta que cá faz!!!
Eu fui um dos 500 mil que nestes dois dias cá estiveram e só lhe digo isto...senti-me muito bem !!!!