15.12.13

O cavalinho do Rossio



Eu nasci portuguesa de segunda, numa cidade linda que dava pelo nome de Lourenço Marques, e vim de lá com pouco mais de nove anos – «retornada» portanto a esta metrópole, muito, muito antes de a palavra «retornado» ser inventada.

Detestei Lisboa desde que pus um pé em terra, depois de uma bela viagem de quase um mês sempre em festa, por essa África acima, no paquete «Pátria» da Companhia Colonial de Navegação. E detestei Lisboa porque se gravaram em mim, para sempre, imagens de uma cidade tristíssima, com pessoas vestidas de preto ou cinzento, a viverem em camadas dentro de prédios, em ruas estreitas, ainda ao som de pregões e de gritos de vendedeiras que espalhavam canastras de peixe pelo chão – tudo coisas que deliciavam a minha mãe, que assim matava saudades da terra dela, e que me horrorizavam e só faziam com que quisesse voltar para a minha. Faltavam-me as acácias vermelhas, a Polana, o calor, os cheiros e sobretudo os grandes espaços.

Mas alguns dias depois de desembarcar levaram-me ao Rossio depois de jantar e rendi-me. Era Verão e a praça pareceu-me enorme, estava cheia de gente e de anúncios luminosos que me deixaram boquiaberta. Um, entre todos, maravilhou-me: um cavalinho todo iluminado, que fazia propaganda do Brandy Constantino e que mexia constantemente as patas, que até andava! Nunca vira nada de parecido, disso não havia mesmo na minha terra. O Rossio passou a ser a minha Broadway e o cavalinho reconciliou-me com Lisboa.

(Imagem daqui
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1 comments:

septuagenário disse...

Os portugueses tristes ficavam mais alegres e desinibidos alteravam o caracter quando iam para sul e ultrapassavam a Madeira.

Aí tiravam a gravata e não eram mais os mesmos.

Muitos não voltavam mais, mas quando voltaram sem bagagem chamavam-se retornados.