10.5.14

Tragédia limpa


O texto de Sandra Monteiro em Le Monde Diplomatique (ed. portuguesa) de Maio de 2014: 

«Estamos perante uma farsa limpa, uma realidade suja e uma saída que, nestes moldes, simplesmente não existe. A farsa, eficazmente montada por responsáveis políticos preocupados com as eleições de 25 de Maio para o Parlamento Europeu e reproduzida sem qualquer exigência crítica pela generalidade dos meios de comunicação, está a tornar-se intoxicação. E isso fará dela uma tragédia. (...)

A celebração da "saída limpa" não é, portanto, nem "saída" nem "limpa". A única "limpeza" é a da farsa, que aproveita de forma obscena as fragilidades de uma população sequiosa de boas notícias e alguma esperança. Há poucas mentiras tão detestáveis quanto as que são ditas nestas condições de sofrimento colectivo. Pelas ausência de limites na prossecução dos seus fins, mas também por serem um concentrado de anti-democracia. Governar pela impostura é expulsar do conflito político-social as regras do jogo democrático (e a confiança nelas depositada para resolver problemas colectivos); é alimentar soluções que prescindem da democracia. As farsas não se transformam em tragédias de um dia para o outro. Durante algum tempo convivem traços de uma e de outra no tecido social. Os cidadãos das classes populares e médias que se sentem gozados quando ouvem falar de "saídas limpas" e as comparam com a sua realidade, cada vez mais encardida pelas políticas que lhes são impostas, têm razões para não terem esperança no "pós-Troika". Esta espécie de "ir para fora cá dentro" já não promete uma perspectiva de férias, como na publicidade de outrora, mas as mil e uma formas de a Troika anunciar que sai, não saindo. (...)

Se não for agora que a esquerda, que todas as esquerdas, se empenham em deter este empreendimento criminoso e substituí-lo por políticas que promovam a justiça social, quando será? Quando as regras de saída das crises já nada quiserem com o jogo democrático? Por muito que se tente manipular a realidade, a tragédia, quando se instala, é sempre suja.»

Na íntegra AQUI
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