«A dívida e a demografia farão a reforma estrutural que temos vindo a adiar. Salazar ainda persiste no dia-a-dia do nosso Estado. Agora temos uma relação tecnológica e informática com ele. Melhor não poderia ser para quem o concebeu como o centro e o disciplinador da sociedade.
Mais rapidamente se intromete na nossa vida. As informáticas disparam avisos atrás de avisos, prazos, multas, penalidades, formulários e anexos, cumprimento de obrigações, informações, inquéritos, requisitos, documentos para pagar, ofícios, códigos multibanco, plataformas do e-governo e um sem-número de "papeladas" electrónicas para nos explicar que temos uma dívida para com ele, mas numa relação "moderna". Os novos estatistas do Estadão chamam-lhe modernização da Administração Pública. (...)
Não faremos nenhuma reforma por decisão autónoma. Os ventos de mudança da revolução americana e francesa com os seus liberalismos, das pensões de Bismarck, da social-democracia do Norte da Europa, das terceiras vias serviram para esta velha nação se ir ajustando, ainda que com atraso histórico. Temos de aguardar que a reforma se faça na Europa ou em qualquer país europeu para a podermos copiar: talvez a nossa maior especialidade. O relógio demográfico e da dívida ainda assim não se imobilizam por decreto.
Não temos o consenso político para promover a reforma, não temos elites capazes de a apoiar, não temos juventude que se revolte, não temos instituições sólidas e independentes, não temos capitalistas com capital, não temos professores motivados, não temos universidades financeira e moralmente independentes dos naturais interesses da sociedade e do seu velho Estado, não temos dimensão territorial que nos auxilie, e não temos sistema e instituições políticas reformistas. Somos situacionistas por atavismo. Devagar se vai ao longe, nem que se sacrifique o bem-estar de algumas gerações. (...)
Os políticos do arco de governação (...) entupiram-nos de vãs palavras sobre reformas porque a Reforma é a reforma dos conceitos destas gerações. Diz-se tudo sobre reformas, faz-se quase nada. É por incompetência, ignorância ou irrealismo políticos? Ou são os políticos que estão prisioneiros dos eleitorados e das gerações que os elegem, e ou dos interesses das gerações que os financiam e promovem? Qualquer resposta pode servir. É só escolher a carapuça.»
Jorge Marrão
.
0 comments:
Enviar um comentário