28.7.15

A política do açúcar



«Após a crise de 1929 muitos americanos passaram a viver entre a miséria absoluta e a insegurança total. Um produto surgiu como uma salvação precária.

Nessa época, o açúcar era barato nos Estados Unidos e isso fez com que os americanos se tornassem dependentes dos doces para aquecer os seus dias. A cozinha do medo, como lhe chamaram, encheu-se de guloseimas e sobremesas. Dava energia. A atracção dos doces em Portugal é longínqua, e tanto teve a ver com a riqueza do nosso mel, como com a chegada da cana-de-açúcar à Madeira.

Com a crise dos últimos anos, os portugueses tiveram de se voltar para o açúcar e, claro, para as meias doses nos restaurantes e para a comida barata dos hipermercados. Para iludir o estômago vazio de presente e de futuro. A questão é que o Governo não entende que não se pode pedir uma dieta destas durante anos e depois não se prometer no programa eleitoral uma sobremesa qualquer. Passos Coelho não tem aptidão para ser um Ratatui ou um "chef" com estrelas Michelin. Quando conjuga ingredientes, a sopa fica estragada ou com falta de sabores. Nisso tem de aprender com Paulo Portas.

A sua ida à Madeira serviu para dar largas à imaginação gastronómica, criando uma espécie de gaspacho político. Disse ele: "Os portugueses não comem TGV, os portugueses não comem auto-estradas nem comem dívidas." Esqueceu-se de dizer que não comem também com o saque da "contribuição extraordinária" que se tornou uma norma. Mas a sua frase mostra que Passos Coelho come queijo em excesso. Já nem se fala de, com a frase, ter disparado sobre o PS (por causa da dívida) mas, sobretudo sobre Cavaco Silva (o grande impulsionador do "país das auto-estradas e do betão").

Sendo económico com a sua própria memória, Passos Coelho esquece que em 2009 na conferência do The Economist dizia que "o TGV é um projecto estratégico que envolve compromissos assumidos por vários governos". Nada de grave: Passos Coelho não come TGV. Degusta a própria memória.»

Fernando Sobral

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