Excertos do texto de José Vítor Malheiros no Público de hoje:
«O acordo alcançado na semana passada entre o Reino Unido e os restantes países-membros da União Europeia, que se saldou, segundo a declaração do primeiro-ministro britânico, David Cameron, na atribuição de um “estatuto especial” para o seu país (o Conselho Europeu chama-lhe “a new settlement for the UK within the EU”), constitui mais um prego no caixão da União Europeia, independentemente do resultado do referendo britânico de Junho.
O acordo veio provar mais uma vez que, no seio da UE, não existe igualdade nos direitos dos Estados-membros e que não existe princípio plasmado nos tratados que não possa ser esquecido ou modificado, se isso for feito para benefício de um país rico e poderoso e para conveniência e reforço interno de um governo de direita. (…)
O que é especialmente chocante é que as instâncias dirigentes da UE decidiram ceder à chantagem britânica não porque houvesse de facto algum problema social ou financeiro relevante no país devido à imigração em massa (que a direita nacionalista britânica agita como principal papão e que Cameron decidiu abraçar como causa própria por razões eleitoralistas), mas, simplesmente, porque isso se transformou numa questão de sobrevivência para o Governo conservador.
De facto, não há nenhuma urgência no Reino Unido que possa justificar a medida excepcional agora tomada ou que se possa comparar, de perto ou de longe, à importância da crise das dívidas soberanas dos últimos sete anos e à destruição social e económica causada pelas políticas de austeridade. No entanto, a propósito da Grécia, que continua a viver uma situação de emergência social, ou de Portugal, a União Europeia não sentiu necessidade de considerar para estes países nenhum “new settlement within the EU” e forçou-os a adoptar políticas recessivas e de promoção da desigualdade sem quaisquer contemplações. Como também não sentiu necessidade de adoptar quaisquer medidas vigorosas de defesa dos direitos humanos – que deveriam ser a pedra basilar da União Europeia – perante os desvios antidemocráticos de certos países (com a Hungria de Viktor Orban à cabeça). Como também não sentiu necessidade de lançar (mesmo) um programa de emergência de acolhimento dos refugiados de África e do Médio Oriente e continua a arrastar os pés enquanto o Mediterrâneo se enche de cadáveres. Como também não sente nenhuma pressão para construir uma política externa que sirva os interesses da paz e do desenvolvimento, em vez de uma que apenas serve os interesses hegemónicos dos EUA e dos fabricantes de armamento.»
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