«Em "Fahrenheit 451", a notável obra de Ray Bradbury, Guy Montag é um bombeiro que queima livros. Nesse mundo do futuro os bombeiros não apagam fogos.
O mundo está virado do avesso: as pessoas não lêem livros, não apreciam a natureza, não pensam por si próprios. Pelo contrário, conduzem demasiado depressa, vêem quantidades excessivas de televisão e escutam rádio com auriculares colocados nos ouvidos. É um mundo mórbido. Nos dias de 40 graus à sombra que hoje vivemos (que nos faz recordar a canção dos Radar Kadafi), os corajosos bombeiros são diferentes: tentam apagar os fogos que, como Gremlins, se reproduzem sem cessar. Vivemos tempos de brasa. Que se repetem todos os anos como cenas de uma telenovela infindável. Já não há palavras para descrever a descrença de que algo possa ser feito a menos que os marcianos aterrem aqui.
No ano passado, houve mais fogos em Portugal do que em Espanha e França juntas. Nos anos anteriores, a situação foi idêntica. Este ano, não deverá ser diferente. Há meios e há bombeiros. Não há aquilo que se sabe há muito: limpeza das florestas, prevenção junto dos proprietários, rentabilidade económica das propriedades, ordenação territorial, acção criminosa sem consequências judiciais sérias. Há relatórios e estudos que terminam como o célebre de Michael Porter: na gaveta do esquecimento. Há tudo e não há nada. Não há vontade política para alterar radicalmente as coisas, com a força que o Estado ainda detém. Basta ver as reacções dos dirigentes políticos: vamos reforçar meios e prevenir para o futuro. É gelo falsificado nestes dias de fogo.
As desculpas são faúlhas quando se assiste à desertificação de mais uma parte do país. Era preciso que alguém do Governo, o poder executivo neste país, chamasse a si a decisão. Dizendo: acabou! Porque é nestes momentos que se concretiza o desleixo português aos olhos de todos: deixamos queimar uma das poucas riquezas do país entre lamentos e promessas de futuros mais radiosos. Não há mais tempo.»
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