«Vivemos tempos de infantilização da política. E de simplificação pateta das frases e das ideias através do twitter e do Facebook. Talvez por isso, Alan Moore (autor da novela gráfica "V for Vendetta", que recuperou a máscara de Guy Fawkes e serviu de símbolo ao grupo Anonymous), contra a simplicidade atroz dos tempos modernos, tenha escrito uma novela sólida de 1.300 páginas, "Jérusalem". Moore acha que vivemos um tempo de vazio, em que nada fazemos para além de reciclar o passado. Sem movimentos de ruptura, de contra-cultura, as sociedades adormecem. Olhando à volta, especialmente na sociedade portuguesa, sente-se isso: o afunilamento da oferta em termos de comunicação ou de cultura está a conduzir Portugal a um vácuo. O turismo não salvará este ocaso do pensamento contraditório. É por isso que as próximas eleições autárquicas, que poderiam ser um sismo nas nossas placas tectónicas bem comportadas, estão a revelar-se apenas como um ajuste de contas entre os partidos instalados e alguns políticos que saíram da sua órbita mas que pensam da mesma maneira.
Numa recente entrevista, Alan Moore dizia: "Eu acredito na democracia directa. Mas isso requer que as pessoas estejam bem informadas, e não leiam apenas os títulos de alguns sites. O problema é que hoje tudo é plataforma. E os artistas são apenas vistos como geradores de conteúdos para essas plataformas". As sociedades sem os choques eléctricos que os movimentos culturais ou sociais trazem, acabam por desertificar-se. Há quem chame a isso paz social, mas nenhuma sociedade cresceu e inovou sem a chama dos desafios que alguns trouxeram para elas. A sociedade portuguesa, sitiada entre as vitórias futebolísticas e na Eurovisão e os incêndios que demonstram a sua incompetência estrutural, vive um momento de insónia perigosa. Ler o que dizem alguns candidatos às principais autarquias do país mostra como há demasiadas pessoas a patinar na maionese. Sem uma ideia de mudança para este país onde se vai sobrevivendo.»
Fernando Sobral
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