«Porque é
que veio à praia?” pergunta a
jornalista – entusiasmada com tão excitante pergunta, que se lhe assaltou
brilhantemente – a um banhista a atoalhar-se depois de um banho no oceano. “Acha
que está calor?” questiona o jornalista pressuroso diante de duas
veraneantes a apanhar banhos de sol prenhes de ultravioletas. “Está calor,
sim”. E, de seguida, remata “e usa protector solar?“ ao que uma
delas responde com o grau do dito, adequado para a hora da canícula em pleno
Agosto, só faltando mencionar a marca respectiva. “A água está melhor do que
no ano passado?” interpela a jovem estagiária com inusitada veemência,
recebendo uma resposta algures entre a certeira banalidade e a banal certeza. “Costuma
vir todos os anos para esta praia?” é mais uma pergunta-relatório que me
faz, por momentos, cortar a respiração, de tão interessante que antevejo a
resposta da família Bartolomeu. “As crianças gostam de estar na praia?”
é a demanda que ouço a seguir, com a resposta repartida entre a mãe orgulhosa e
o pai frenético e acompanhada de sonoras gargalhadas: “adoram!”. “Gosta
de ler na praia?” a modos que querendo-se subir o nível da pergunta ao
sujeito que folheava o “best-seller” acabadinho de comprar no supermercado.
Entretanto, olho para o oráculo, que é como quem diz para uma de várias faixas
encavalitadas na parte de baixo do ecrã, e qual é o meu espanto quando leio “a
solução para o calor é um mergulho!” Por momentos, fiquei aturdido com tão
sábia descoberta. No fim, fica-me a amargura de o país televisivo só ter praia…
Não, não
estou a efabular. É mesmo isto que, mais palavra, menos palavra, pude ver e
ouvir em alguns canais televisivos. Assim se vão fazendo os “chouriços
noticiosos” de hora e meia, entressachados hora sim, hora quase sim, nos canais
informativos. É um fartote, convenhamos.
Se a isto
juntarmos, um alinhamento de notícias errático e indigente onde se manipula o
interessamento do telespectador (aqui até me apetece escrever sem o c,
conforme o AO), o futebol ad nauseam de cá e de lá, entre o que há-de
ser e o que já foi, com a suprema dádiva de longas peças sobre o futebol
espanhol, sem que os ingratos “hermanos” nos retribuam com um segundinho sequer
do de cá, a namorada e os filhos de Cristiano Ronaldo, as imagens mil vezes
repetidas de fogos para que os pirómanos se excitem quanto baste, a actualidade
repetida já sem ser actualidade, e até a publicidade encapotada a telenovelas a
estrear e outras coisas do género como se fossem notícias, há de tudo. Um bom
filme? Um bom documentário? Sim, mas a horas não recomendáveis, alta noite ou
de madrugada…
Assim se vai
consolidando a estupidificação da bitola das audiências, neste triângulo de
programação – salsichas noticiosas, futebol a rodos e telenovelas a todas as
horas – a que se junta aos fins-de-semana o delírio da música pimba e cachopas
anafadas pelo Portugal de lés-a-lés. Tudo polvilhado com o uso de um português
maltratado.
O problema é
que, pouco a pouco, os canais (ditos informativos) vão convergindo nesta massa
informe, nivelada pelo “benchmarking” dos piores. Com a pobreza confrangedora
de, à mesma hora e em todos os canais, vermos uma conferência de imprensa
completamente banal de um jogador ou treinador ou mais uma discursata de um
político em viagem de circum-transumância eleitoral.
Ressalvo
aqui os canais da televisão pública, que, apesar desta voragem pela qual se
deve obedecer acriticamente às audiências, têm vindo a melhorar. Nota-se isso
na RTP 1 e 3, mas aqui destaco, sobretudo, a excelente programação da RTP 2, o
único canal onde se podem ver – a horas decentes – programas de nível e de entretenimento com qualidade.»
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