17.11.17

17.11.2013 – O dia em que Doris Lessing morreu



Morreu há quatro anos com 94. Em 2007, foi-lhe atribuído o Prémio Nobel da Literatura e escreveu então um belíssimo discurso de que recordo como se o tivesse lido hoje. Intitulou-o: «Como não ganhar o prémio Nobel».

Falou de livros, do sonho de saber nos países pobres, da falta de interesse da juventude no mundo dos ricos. Falou sobretudo de África, do Zimbabwe que ela tão bem conheceu, recordou uma «aldeia onde a população não comia há três dias, mas onde se falava de livros e dos meios para conseguir obtê-los»; um autor negro, seu amigo, que «aprendeu a ler sozinho, nas etiquetas dos frascos de compota e das latas de conservas de frutos»; uma localidade perdida no mapa, onde dois jovens resolveram escrever romances na língua nativa (tonga); um jovem de dezoito anos que, ao receber uma caixa com livros oferecidos por um americano, os embrulhou cuidadosamente num plástico, com receio de que se estragassem e sabendo que dificilmente poderia voltar a receber outros.

O discurso é longo, pode ser liso em inglês ou em francês, mas deixo aqui os últimos parágrafos em português.

«Há sempre um contador de histórias no fundo de cada um de nós, o “fazedor de histórias” esconde-se em nós. Suponhamos que o nosso mundo era destruído pela guerra, pelos horrores que todos podemos facilmente imaginar. Suponhamos que inundações submergiam as nossas cidades, que o nível dos mares subia… O narrador estaria sempre lá, pois é o nosso imaginário que nos modela, que nos faz viver, que nos cria, para o bem ou para o mal. São as nossas histórias que nos recriam quando estamos despedaçados, moribundos, ou mesmo destruídos. É o narrador, o fazedor de sonhos, o construtor de mitos, que é nossa fênix, aquilo que somos no melhor de nós mesmos, da nossa criatividade.

Cremos ser melhores do que a pobre mulher africana que caminha na poeira sonhando com a educação dos seus filhos – nós, empanturrados de comida, com os nossos armários repletos de roupas, nós que sufocamos sob o peso do supérfluo?

Estou totalmente convencida de que é aquela mulher africana e todas as outras mulheres que me falaram de livros e de educação, embora não tivessem comido nada desde há três dias, que ainda nos podem definir no momento presente.»
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