«Atenas, 3 de julho de 2015. A mais emblemática das praças da capital da Grécia foi-se enchendo de gente, ao ritmo do cair da noite e da música de intervenção que saía das colunas gigantes, capaz de acordar o mais adormecido dos Deuses na Acrópole. O palco, que podia receber naquela noite os Rolling Stones, estava guardado para duas rock stars, mas nenhuma delas se chamava Mick Jagger. A multidão gritava por Alexis Tsipras e por Yanis Varoufakis, o ministro motard das Finanças que ousou desafiar os colegas do Eurogrupo. Dois heróis nacionais que se propunham tirar a Grécia da bancarrota e, quem sabe, a mudar a política orçamental e económica da Europa.
Esgotado o diálogo político com Bruxelas, Tsipras decidiu esticar a corda e colocar a referendo o novo pacote de austeridade que o Eurogrupo queria impor ao país. Varoufakis, o patinho feio dos ministros das Finanças da zona euro, apareceu pouco depois. Fotografias, autógrafos e uma multidão em êxtase, que parecia tudo menos falida, gritava o nome dos dois políticos que tinham devolvido a esperança a um país que já não sabia o que isso era havia mais de cinco anos. Era o tudo ou nada. Ou a Grécia dizia "sim" ao novo pacote de austeridade e a Europa continuava a financiar um país falido ou dizia "não" e a saída da zona euro era uma forte possibilidade. No fundo, era quase como perguntar se queriam morrer da doença ou da cura.
O Eurogrupo era, à época, o centro do poder, controlado pela França e pela Alemanha. Varoufakis lutara, em vão e nem sempre com a melhor estratégia, por uma política diferente, mas, se manda quem paga, o dinheiro estava, neste caso, no lado negro da força. O dinheiro e, já agora, a arrogância. Quem não se recorda de ouvir Christine Lagarde, diretora geral do FMI, afirmar que era preciso retomar as negociações, mas desta vez "com adultos na sala", depois de mais um encontro com Varoufakis? Isto, vindo de uma ex-ministra das Finanças que tinha deixado derrapar o défice francês durante vários anos, só podia ser de uma ironia extrema.
Dois anos depois, a Grécia, que "engoliu" toda a austeridade que o Eurogrupo lhe impôs, continua onde estava sete anos antes: falida, sem perspetivas de futuro, mas ainda dentro da zona euro. Alexis Tsipras ficou a falar sozinho e acabou por sofrer uma espécie de processo de osmose por parte dos seus colegas europeus. Varoufakis, esse, saiu pela porta pequena e já poucos se lembram dele.
É daqui que nasce a minha grande dúvida sobre as reais possibilidades que Mário Centeno terá em contribuir para mudar a forma como o Eurogrupo olha para a política económica e orçamental europeia. Se há conclusão a tirar, 10 anos depois do início da crise, é que a Europa não aprendeu rigorosamente nada. Nada de estrutural mudou na economia europeia. Os tratados orçamentais são, na sua essência, os mesmos com que entrámos na crise. As agências de rating continuam o business as usual. E, pior que tudo, a Europa continua a sofrer um processo de desagregação vertiginoso.
Mário Centeno que, para quem não se lembra, era considerado um liberal antes de ir para o Governo, parte de uma premissa que não é inteiramente correta: a de que Portugal é uma espécie de case study, que demonstrou à evidência que era possível uma política diferente de reposição de rendimentos e, em simultâneo, o cumprimento das metas orçamentais. Acresce que o verdadeiro poder na Europa continua a não estar dividido pelos vários Estados-membros, mas concentrado em dois ou três países que ditam as regras. E a perspetiva sobre a origem da crise é hoje a mesma que Jeroen Dijsselbloem expressou, ainda em março deste ano, quando afirmou que o problema está nos países do sul, que só se interessam por "copos e mulheres".
Este "adulto" já saiu da sala, humilhado nas urnas pelos próprios eleitores. Terá Mário Centeno a maturidade necessária e, sobretudo, o peso político que falta na sala? Quem sofrerá primeiro o processo de osmose? Mário Centeno ou os colegas do Eurogrupo?»
Anselmo Crespo
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