«Frankenstein saiu do mundo das trevas há 200 anos. A novela de Mary Shelley, fruto de um pedido feito por Lorde Byron em 1816 aos seus convidados presentes na vila que tinha junto ao lago de Genebra na Suíça, tornou-se um símbolo sobre os perigos do progresso científico sem limites. Que hoje poderíamos reinterpretar na antecâmara da inteligência artificial sem fronteiras éticas. Frankenstein é um fantasma alimentado pela electricidade. Aprende a falar e a comportar-se como os seres humanos, mas isso não é suficiente para que faça parte da comunidade destes. Donald Trump é o Frankenstein destes tempos modernos. Num mundo global, ele é o intérprete de todos os fantasmas que queremos esconder. Por isso a sua presença em Davos, a Ágora ateniense dos profetas da globalização, é uma última esperança. O seu discurso está previsto para dia 26 e será tão aguardado como foi o de Xi Jinping, no ano passado. Mas se este se tornou o símbolo da globalização, do Trump do "America First", há pouco a esperar.
Davos, este ano, tem como tema "construir um futuro comum num mundo fracturado". Trump é um empresário da construção, mas o seu maior objectivo parece ser não deixar pedra sobre pedra do passado. Em Davos, quer descobrir-se um novo equilíbrio a que se chamaria "globalização equitativa". Trump deseja o contrário: uma economia concentrada nos desejos de uma minoria sem referências culturais, sociais ou éticas. Gerida por um grupo de cúmplices que usam o populismo como álibi democrático. Não deixa de ser curioso que, há dias, Edward T. McMullen, embaixador dos EUA na Suíça, tenha dito ao Le Temps: "Trump não é um político, não o quer ser e nunca o será." Está tudo dito. McMullen dirigiu a campanha das primárias de Trump na Carolina do Sul e foi presenteado com este cargo. Davos não é muito longe de Genebra. Mas o mundo de Byron e de Mary Shelley é muito diferente do de Trump e dos seus acólitos. Os primeiros queriam compreender o mundo. Trump quer que o mundo seja o seu reflexo. Nem Davos mudará isso.»
Fernando Sobral
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