«Há muitos motivos que explicam os atrasos do país. A inexistência de um novo aeroporto não é certamente um deles, mas o processo que tem envolvido a escolha da sua localização talvez dê contributos para compreender os nossos males endémicos.
Sou um de muitos portugueses que nada sabem sobre opções para a construção de um novo aeroporto, mas que está ciente de dois factos: a Portela está estrangulada (o ano passado serviu 30 milhões de passageiros, quando a sua capacidade é de 22 milhões) e a escolha de uma localização raia o absurdo. Trata-se em qualquer país de um processo complexo. Só que dificilmente se encontrará outro caso em que longos períodos de estabilidade nas opções dão lugar a alterações repentinas.
A Portela foi inaugurada em 1942. Desde 1958, já lá vão seis décadas, que se pondera a sua relocalização. Logo em 1971, consideradas quatro opções na margem sul do Tejo (Fonte da Telha; Montijo; Porto Alto e Rio Frio), foi escolhida a de Rio Frio como complemento. Depois, com o choque petrolífero e a democracia, o projeto do novo aeroporto ficou suspenso. Quando regressou em 1982, numa prospeção não condicionada, foram consideradas 12 alternativas, e a solução apontada foi a Ota, agora a norte de Lisboa. Já em 1990, voltaram os estudos, desta feita, comparando Ota com Rio Frio.
Em 2005, com dezenas de estudos feitos, avança-se para a construção da Ota, a CIP insurge-se com a escolha e patrocina uma avaliação para encontrar soluções alternativas. Emergem, então, o Poceirão, Faias e Alcochete. Pelo caminho, cai a Ota e, em 2007, testa-se Alcochete como alternativa. O LNEC defende a opção e o Presidente da República empurra o Governo para abandonar a sua decisão. Chega a troika e a PàF troca Alcochete pelo Montijo, ou seja, a solução Portela +1, proposta em 2007 pela Associação Comercial do Porto. Passa-se do “novo aeroporto” para “aeroporto complementar”. Privatiza-se a ANA, que não pára de obter dividendos, e avança-se para o Montijo financiado pela Vinci — porque é um erro desmantelar a Portela e fundamental ter uma solução em tempo útil. Agora são duas autarquias e a Ordem dos Engenheiros que se opõem a uma escolha que já atravessou dois governos, de cores diferentes.
Confuso, não é? Mas resulta claro que a incapacidade de decidir é endémica e que temos um Estado fraco e que alimenta ilusões de autoridade, procedimentos pouco transparentes que todos podem influenciar e bloquear (autarquias, privados, sociedade civil e corporações profissionais), sem que daí resultem ganhos de racionalidade nas soluções. Não temos aeroporto, mas em alternativa, em cinco décadas, herdámos uma manta intrincada de tensões sociais e políticas que nos paralisam. Alguma coisa não correu bem em todo este processo. Temo que não seja específico da construção de um novo aeroporto.»
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