«O voo de um bando de estorninhos é um espectáculo fascinante. É-o por motivos estéticos, mas também científicos. Não existe um maestro que guie a acção daqueles milhares de pássaros. A coreografia única que produzem em conjunto baseia-se em regras simples de comportamento. Cada ave reage ao que fazem as outras que a rodeiam. O resultado é imprevisível: mesmo que tivesse a inteligência de um humano, nenhum estorninho saberia para onde iria o bando a seguir. Mas a imprevisibilidade - e a enorme complexidade que emerge a partir de regras tão simples - não conduz ao colapso do grupo. O bando mantém-se coeso e o resultado é impressionante.
As sociedades humanas têm muitas parecenças com um bando de estorninhos. Tentem regressar a Dezembro passado e lembrar o que se previa para 2020. Na lista não constava o assassinato do general iraniano Qassem Soleimani às mãos dos EUA, que pôs os mercados financeiros em transe logo no início de Janeiro. Nem a extensão do contágio internacional do novo coronavírus, cujos danos começam a ser evidentes. Nem o efeito do desentendimento entre a Arábia Saudita e a Rússia sobre o preço do petróleo. Ainda nem vamos a um quarto do ano e já estes e outros episódios nos obrigam a repensar muitas decisões.
Há diferenças importantes entre as sociedades humanas e um bando de estorninhos, é certo. Entre nós, há hierarquias bem definidas. Há leis e regras bem mais complicadas, umas escritas outras não. Há memórias estruturadas do passado, que influenciam as nossas escolhas. Há uma luta activa mais ou menos organizada pelas ideias, que ajuda a moldar regras e comportamentos. Em alguns aspectos, estas características tornam as sociedades humanas mais previsíveis do que um bando de pássaros. Noutros, pelo contrário, aumentam a complexidade e a imprevisibilidade.
Tal como no caso dos estorninhos, é possível reconstruir a sequência de casualidades que levou a cada um dos eventos referidos. Esse tipo de análise histórica e institucional ensina-nos muito sobre o funcionamento das sociedades humanas. No entanto, só por um improvável acaso alguém teria conseguido prever cada um deles, quanto mais tudo o que já se passou nos últimos dois meses.
Ainda há quem acredite que a previsão é o objectivo último da ciência. Nas escolas de Economia, por exemplo, os alunos são educados para acreditar na bondade de modelos formais que visam projectar as economias no futuro. Pelo contrário, têm pouco ou nenhum espaço para aprender sobre processos que se verificaram no passado em contextos específicos. Os modelos formais são úteis, sem dúvida. Mas estaríamos mal se as decisões fundamentais para a vida em sociedade se guiassem apenas - ou fundamentalmente - por eles.
Numa decisão pouco habitual, a OCDE anunciou que iria cancelar a publicação dos seus principais indicadores económicos avançados no início de Março, devido à incapacidade de prever neste momento os efeitos do novo coronavírus na economia mundial. Até lá, os governos terão de tomar decisões sem o conforto destas previsões oficiais.
Na verdade, as instituições internacionais também não têm capacidade para prever com o mínimo de precisão os impactos de uma descida abrupta do preço do petróleo, num contexto mundial marcado por níveis de endividamento público e privado sem precedentes históricos, por tensões políticas prolongadas em vários países produtores de petróleo, ou pela preocupação dos EUA face ao rápido desenvolvimento tecnológico da China. Isto não impede a OCDE de ir actualizando as suas previsões ao longo do ano - e ainda bem. O problema não está nas previsões, mas no uso que fazemos delas.
O conforto que muitos encontram nas previsões exactas dos modelos económicos é conveniente, mas é falso. Os responsáveis do futuro não podem ser ensinados apenas a construir modelos que assumem níveis de certeza que não existem. Igualmente importante é aprendermos todos a lidar a com a incerteza radical que caracteriza as sociedades humanas. Pelo menos tanto como os movimentos de um bando de estorninhos.»
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