7.3.20

O fim do compromisso



«Há uma certa estranheza na nossa estabilidade e resiliência institucionais. Quatro décadas após o pacto MFA/partidos, os partidos que tiveram representação parlamentar na Constituinte mantêm-se no Parlamento. É uma singularidade portuguesa que ajuda a explicar a razão pela qual, apesar de tudo, nos mantemos governáveis. Mas os sinais de que as coisas estão a mudar são significativos.

Temos hoje muito mais partidos na Assembleia da República que, no entanto, não substituíram os da fundação da democracia. Por si só, mais pluralidade traz mais representatividade social e não obriga a que as condições de governabilidade se deteriorem — na maioria dos nossos parceiros europeus as coligações são a regra. Não há nenhuma incompatibilidade entre fragmentação partidária e capacidade de compromisso.

Tanto é assim que em Portugal não foi a fragmentação partidária que diminuiu o espaço para o compromisso. Aliás, pode até dar-se o caso de a diluição progressiva do espaço de diálogo entre bloco central ter promovido a emergência de novos partidos. A questão é séria e a repetição do triste espetáculo entretanto dado pela Assembleia da República na votação de escolhas que dependem de maiorias robustas de 2/3 dos deputados só a agrava.

A este propósito tem sido muito enfatizada a proposta — de facto inexplicável — de Vitalino Canas para o Tribunal Constitucional. Surpreende que o PS tenha avançado com o nome e que o próprio não tenha tido a perceção do erro. Quando olhamos para o perfil dos 57 juízes do TC apercebemo-nos de que só excecionalmente e nos anos 80 é que tivemos deputados nestas condições — e, naturalmente, nunca ex-porta-vozes. A regra são magistrados e professores universitários. E faz sentido que, independentemente de inclinações políticas dos juízes, se busquem nomes que deem sinais de autonomia face aos partidos que os indicam e que correspondam a um espaço alargado de compromisso (daí a exigência de maioria qualificada).

Mas o problema é que não foi só a lista para o TC que chumbou. Uma vez mais foi rejeitado o nome de Correia de Campos, presidente em exercício do Conselho Económico Social, assim como a lista conjunta PS/PSD (sublinho conjunta) para o Conselho Superior de Magistratura.

Haverá motivos para os deputados não serem capazes de formar maiorias em torno destas matérias ou até entreterem-se, em número aliás significativo, a votarem nulo (será que estamos perante adultos com responsabilidades que rabiscam em boletins de voto?), mas, no essencial, o que temos é um indicador avançado de degradação institucional: os partidos não são capazes de alcançar compromissos em torno de nomes para órgãos que asseguram a estabilidade do regime. Ora, se não são capazes de se entenderem sobre estas matérias como é que podemos esperar do PS e do PSD compromissos que, independentemente da alternância no poder, estabilizem opções sobre educação, saúde, fiscalidade ou obras públicas?»

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