«Em 2016, a União Europeia atirou uma montanha de dinheiro para os braços do regime turco, garantindo, de forma provisória mas eficaz, que se estancasse uma fuga desenfreada de refugiados em direção ao Velho Continente.
Estávamos no auge da guerra síria. Ancara aceitou o cheque de seis mil milhões de euros e acionou o travão, erguendo um muro na fronteira que ajudou a salvar a face da diplomacia europeia e a reforçar a influência de Erdogan, mas que apenas mitigou o problema de fundo. Agora, quatro anos volvidos, o travão deixou de travar. A Turquia abriu as fronteiras com a Grécia, num ato inqualificável de retaliação política (porque quer que o Ocidente tome as suas dores no conflito com a Síria e com a Rússia), e a Europa vê-se novamente na frágil condição de salvadora circunstancial de uma mole humana desesperada. Sem estratégia comum, correndo atrás de uma fatalidade. Assombrada pelo fantasma de uma revisitada crise humanitária.
De resto, era apenas uma questão de tempo até Bruxelas ser confrontada com a debilidade de um "negócio" que usou vidas humanas como moeda de troca. E que, agora, se socorre dessas mesmas vidas para obter ganhos políticos e militares. Em 2016, a Europa negociou com a "Turquia boa", cooperante; agora, a mesma Europa vitupera a "Turquia má", vingativa. Em ambas as situações, a resposta de Bruxelas foi a mesma e aparentemente a única possível: passar um cheque gordo como paliativo. Em 2016, o dinheiro assumiu a forma de uma fronteira; em 2020, com a aprovação de uma ajuda de 700 milhões de euros à Grécia, assume a forma de uma boia. Pelo meio, Atenas pede que o problema seja de todos os europeus, e não apenas seu, mas ameaça os refugiados com gás lacrimogéneo e balas.
Na ausência de uma estratégia comunitária de apoio ao asilo e acolhimento de refugiados, a Europa continuará a ser o elo mais fraco de um braço de ferro em que todos perdem. Uns mais do que outros, é certo. Uns a reputação, outros, os do costume e em muito maior número, a vida.»
.
0 comments:
Enviar um comentário