12.7.21

Restrições necessárias, claras, coerentes e para todos

 


«Somos, por estes dias, o país que mais vacina por dia no mundo. Mais de 1,5% da população. Somos o oitavo país da UE com mais pessoas vacinadas. Não é novo. Desde o início que estamos acima da média europeia. E este é o caminho. Basta ver como o aumento exponencial de casos não é acompanhado por uma tragédia em número de mortos e como o número de internados não corresponde ao que tínhamos antes, quando estávamos neste nível de infetados, para perceber a eficácia da vacinação. Como há uma grande diferença entre ter uma ou duas doses, avançar depressa na segunda toma é uma prioridade absoluta para o país.

Ao mesmo tempo, somos o país que tem medidas mais restritivas em toda a União Europeia e o vigésimo no mundo. Atrás de nós, a maioria são ditaduras. E não é só por causa dos números atuais. Apesar da irritação de muitos com o nosso suposto laxismo, estivemos quase sempre entre os mais restritivos. E estou a falar de regras formais. Ao contrário da ideia instituída, estou convencido, pelo que vou ouvindo de quem nos visita, que somos dos que mais cumprem as limitações.

Se na vacinação o Governo está a fazer um bom trabalho, no que toca às medidas parece ter perdido o norte. A medida de recolher obrigatório (a que não chama recolher obrigatório) é inconstitucional, decidida que foi sem Estado de Emergência e em mera reunião de Conselho de Ministros. Não vão longe os tempos em que decisões destas eram tomadas com circunspeção e pesar. Agora, é total a ligeireza com que se impõem limitações drásticas às liberdades mais elementares. Como se fosse um mero ato administrativo. E aceite sem qualquer sobressalto. Primeiro estranha-se, depois entranha-se, disse-o há ano e meio. Não esperava que fosse tão rápido. Nem o Presidente, ilustre constitucionalista, se dá ao trabalho de levantar o sobrolho perante uma medida ilegal.

Mas o problema não é apenas os direitos, liberdades e garantias. É a ausência de sentido prático de muitas das medidas. Basta ver como o Governo impôs e fez cair a interdição de sair e entrar na Área Metropolitana de Lisboa, no espaço de uma semana, para o perceber. Se o objetivo era adiar o avanço da variante delta, sabendo como se espalha pela Europa, a eficácia parece ter sido bem pequena. Foi mais cacofonia para ajudar à confusão e, com ela, a desobediência às sucessivas medidas e contramedidas.

Agora vem a exigência de apresentar certificado digital ou teste negativo para entrar em restaurantes nos concelhos em pior situação pandémica. Mais uma vez, o sentido prático da medida é difícil de acompanhar. Alguém consegue explicar a razão para apresentar o certificado ou fazer um teste para ir a um restaurante numa sexta-feira e não numa quinta-feira? Estará o vírus mais ativo à sexta? Serão os restaurantes mais seguros à quinta?

Compreendo a necessidade de abrir à economia e de ter incentivos à vacinação. Mas este tipo de exigências só será aceitável (e mesmo assim discutível) quando não estar vacinado corresponda a uma escolha. Ainda não temos 40% da população totalmente vacinada e mais de metade está por imunizar. O que se impõe é uma discriminação etária impossível de sustentar. Que, durante as férias, divide famílias.

Claro que há os testes. Não é provável que o sistema, como está desenhado, suporte um acesso generalizado e permanente aos testes gratuitos, e a comparticipação foi, ao bom estilo de João Leão, pensada para não funcionar. Em regra, o acesso à normalidade terá de ser pago. Discriminação etária e social, portanto.

Definiu-se um conjunto de critérios para um conjunto relativamente simples de medidas. Depois foram-se pondo camadas de novas restrições ou alívios em cima até construir, ao bom estilo burocrático, um mapa de regras absurdo que já nem Mariana da Silva, apesar da sua competência comunicacional, consegue explicar.

O problema da irracionalidade, do experimentalismo e da pouca consistência das medidas que vêm e vão e do labirinto caótico que divide o país em bantustões sanitários é que já nenhum cidadão sabe a quantas anda. Desfoca e torna a disciplina no que realmente conta – a máscara, o distanciamento social, a higienização – mais difícil de impor. Haja poucas limitações, uniformes, previsíveis e sem exceções. E que não se crie, com metade do país por imunizar, uma sensação de injustiça que alimenta a desobediência dos jovens.»

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