«Na nossa juventude, nós e o nosso grupo restrito de amigos sabíamos imenso sobre cinema, música, arte e literatura. Líamos extensivamente sobre os filmes, já que tínhamos de esperar meses, quando não anos, até os conseguirmos visionar na Cinemateca ou, depois da meia-noite, na televisão. Não era então como é hoje, em que todos os filmes e toda a música do mundo — toda a produção humana, na realidade — estão à distância de um gesto digital. Este acesso, dizem pessoas da minha geração, sendo indiscriminado, provoca uma homogeneização “perigosa”; sem curadoria, todo este saber se transforma em não-saber.
Hoje em dia, eles, os jovens, consomem coisas, não ouvem, nem lêem, realmente, como nós fazíamos. Pergunto se é preferível a existência de um grupo pequeno de gente excepcionalmente culta a uma larga maioria de gente suficientemente culta. Ah, mas o problema é que os jovens de hoje não são nada cultos, antes pelo contrário, tudo lhes escapa porque andam sempre enfiados no telemóvel.
O que eventualmente assusta de facto a minha geração é que à era do nicho, da excepcionalidade e da curadoria, se suceda uma era irrestrita, a partir da qual parece ser impossível superar a mediania. Lamentamos que estejam a desaparecer tantas coisas que conhecíamos bem, coisas profundas e notáveis, substituídas por outras que, inscritas na grande superfície digital, nos parecem demasiado acessíveis para importarem. Daí que, numa suposta atitude crítica, muitos de nós tenham rejeitado ou adiado a infoliteracia. Por este andar, enquanto lastimamos o que se vai perdendo, pode o mundo tornar-se um sítio melhor — bem debaixo dos nossos narizes.
A partilha de sistemas e de informação, facultada pelos computadores que temos hoje no bolso, poderá vir a resultar na produção de inteligência colectiva, diversa e colaborativa, feita por humanos, para humanos, assegurando equidade e transparência — na sua génese, conceitos próximos dos nossos ideais de juventude. Sim, assusta ver seres com uma vida pela frente a passar tanto tempo ao telemóvel, mas torna-se menos temível se pensarmos que parte importante do seu futuro, e do nosso, passa pela destreza, inteligência e imaginação com que saibam usar as actuais tecnologias. Receamos que lhes fiquem a faltar outras competências, tão fundamentais — aos nossos olhos, mas não aos deles. Tem sido sempre assim: se viajarmos até à nossa própria juventude, sem a romantizar, vemos com clareza o quanto todos crescemos ao arrepio dos preceitos dos nossos pais. E os nossos pais dos deles.
Corre na Internet a citação de um artigo, de 1999, de Douglas Adams, em que o escritor e humorista cria três breves regras em que procura descrever a relação das gerações com a tecnologia: “1. Qualquer tecnologia que exista quando se nasce é vulgar e apenas parte natural da forma como o mundo funciona. 2. Qualquer tecnologia inventada entre os 15 e os 35 anos é nova, excitante, revolucionária e eventual oportunidade profissional. 3. Tudo o que for inventado depois dos 35 anos é contra a ordem natural das coisas.” Estas regras cómicas, sem rigor estatístico, talvez estejam certas nisto: os jovens, ainda que em toda a sua ignorância, são a força verdadeiramente revolucionária em campo. Têm do seu lado a maior e mais legítima motivação de todas, a de viver uma vida longa e boa, num planeta ameno. Arregaçar as mangas e juntarmo-nos a eles seria tão educado e bem-disposto da nossa parte.»
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