«Uma das coisas que me têm impressionado nos últimos tempos é ver, tanto na minha “bolha” pessoal como na “bolha” das redes sociais, um grupo de pessoas que, sendo habituais votantes no PS, gostam muito de Rui Rio. Eu sei que alguns deles só não votariam PS nas próximas legislativas se António Costa fosse apanhado em flagrante a assaltar bancos. No entanto, foi com estupefacção que os vi a festejar a vitória de Rui Rio sobre Paulo Rangel e esta alegria não era por uma razão utilitária, politicamente admissível: se Rui Rio foi um líder da oposição com quatro anos de decepções, António Costa vence com mais facilidade as legislativas em confronto com Rio do que com o candidato mais combativo e aglutinador da direita, Paulo Rangel. Não era por isso. Era, simplesmente, porque gostam do homem.
Esta percepção foi verbalizada com uma clareza irrepreensível pela jornalista Maria Antónia Palla – que, por acaso, é mãe de António Costa – há oito dias no programa “Mínimo Denominador Comum”, da CNN Portugal. Depois de Sebastião Bugalho ter recordado o fraco amor de Rui Rio pela liberdade de imprensa, pela independência dos tribunais, a sua desvalorização do Parlamento – que têm sido uma constante no seu percurso político, da Câmara do Porto à liderança do PSD – Maria Antónia Palla revelou a sua “enorme admiração pelo dr. Rui Rio”, por ser “um homem que se rege pela sua cabeça e isso é muito importante”.
Rui Rio, segundo Palla, “transmite aos outros que está a dizer o que diz porque pensa de facto assim”. A jornalista elogia o historial de Rui Rio enquanto democrata: “Rui Rio pode ser impetuoso nas suas decisões – às vezes tem que se ser – mas não é presa de ninguém”. A jornalista, que foi das primeiras mulheres em Portugal a lutar pela despenalização do aborto, também naturalmente admira a “coragem” de Rio de apoiar a causa – “Uma das raras pessoas do PSD que era a favor da legalização do aborto”. E se a questão do aborto “é uma questão de liberdade”, “o dr. Rui Rio é uma pessoa que está do lado da liberdade”. E conta um episódio pessoal ilustrativo: quando se soube da vitória de Rui Rio, ligou à sua amiga e fundadora do PSD Maria João Sande Lemos e disse “ganhámos”. Palla concorda com a estratégia de Rio segundo a qual o segundo partido deve apoiar o Governo do partido mais votado. Sérgio Sousa Pinto estava maravilhado com a “estatura democrática” de Maria Antónia Palla e disse que quase não tinha nada a acrescentar.
Obviamente, nem Maria Antónia Palla nem Sérgio Sousa Pinto, candidato pelo PS, vão votar no PSD. As pessoas da minha “bolha” que referi também não. Mas até que ponto esta estranha amabilidade dos eleitores do PS relativamente a Rui Rio terá consequências eleitorais? Será que este apego do eleitorado socialista a Rio indicia que será mais fácil a transferência de voto do PS para o PSD no eleitorado mais flutuante? É verdade que sempre foi essa a estratégia de Rio, que diz que não é de direita: ir buscar votos ao PS.
A inacreditável purga que Rui Rio fez aos apoiantes de Rangel nas listas de deputados comoveu muito pouca gente. O valor dominante em Portugal é “o chefe manda”, o que explica muita coisa – 48 anos de ditadura deixaram um rasto visível no nosso quotidiano. E, nesse aspecto, Rio cumpre o valor da “autoridade” salazarista que tanto sucesso continua a fazer em Portugal.
Hoje, 12 de Dezembro de 2021, o cenário mais provável é uma vitória do PS sem maioria absoluta. É o que as últimas sondagens indiciam. A questão é se o desgaste do Governo, ao fim de seis anos e com uma pandemia pelo meio – com o SNS no estado em que está – acabará a ter efeitos eleitorais surpreendentes. E já sabemos, desde Durão Barroso, que um péssimo líder da oposição pode, havendo sorte, acabar em primeiro-ministro.»
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