9.5.22

Metadados, ou o desastre de empurrar com a barriga

 


«A notícia é clara: o sucesso de milhares de processos-crime ainda em curso está em risco porque as provas recolhidas por acesso aos metadados de comunicações electrónicas, essenciais em muitos processos-crime, podem ser consideradas inválidas e fazer ruir toda a investigação.

Em causa está a Lei n.º 32/2008, a “lei dos metadados”, que obriga as operadoras telefónicas a conservar, durante um ano, todos os dados gerados ou tratados no âmbito de um serviço telefónico nas redes fixa e móvel, de acesso à Internet, de correio electrónico e ainda de comunicações telefónicas através da Internet. Para Big Brother, não está mal.

O que está mal é considerar que é o acórdão do Tribunal Constitucional (TC) que agora vem colocar em causa investigações policiais quando, desde 2014, pelo menos, o Tribunal de Justiça da União Europeia determinou que os Estados têm de colocar limites sérios à conservação de metadados. Não proíbe essa retenção “se for utilizada contra alvos específicos para combater a criminalidade grave”, mas condena a conservação generalizada por, como explica o TC, em relação à lei nacional, restringir “de modo desproporcionado os direitos à reserva da intimidade e à autodeterminação informativa”.

O Presidente da República pode considerar que é o TC que “entende que a Constituição é muito fechada”, mas a verdade é que os juízes conselheiros não fizeram mais que fazer cumprir a lei fundamental portuguesa em sintonia com a lei europeia. Como muito bem alertou a provedora de Justiça, quando pediu a declaração de inconstitucionalidade no seguimento de uma queixa da associação de direitos digitais D3, perante a recusa da ministra da Justiça Francisca Van Dunem em alterar a lei.

A Internet já não é um mundo assim tão novo e os Estados podem escolher adaptar-se, criando condições para que as polícias possam operar ou podem enfiar a cabeça na areia e chorar sobre o leite derramado. É nesta posição difícil que o Estado português se tem colocado, como é exemplo também a moratória que permite à Administração Pública não ser multada durante três anos por não cumprir o Regulamento Geral de Protecção de Dados (RGPD). Vamos ver quantos estão de acordo com a lei ao fim desse prazo.

Bom mesmo é que existem leis fundamentais que protegem os cidadãos, umas vezes de Estados totalitários e pouco cumpridores dos direitos e garantias, outras vezes de Estados laxistas e negligentes, também eles pouco capazes de salvaguardar direitos e garantias dos seus cidadãos.»

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