28.7.22

Aeroporto de Lisboa: resolva-se, já!

 


«Tudo começou em 1942, há 80 anos: é construído um pequeno aeroporto na Portela de Sacavém, na altura um sítio ermo, longe da cidade de Lisboa, a qual não ia além do Areeiro. A guerra em África, nos anos 60, alterou o paradigma; Lisboa precisava agora de um grande aeroporto para permitir a ligação com as colónias. Contudo, a expansão da Portela não se afigurava fácil, já que o aeroporto vê-se rodeado de bairros clandestinos.

Com a construção da ponte 25 de Abril (na altura, ponte Salazar) em 1966, após comparação dos locais com mais aptidão, foi então decidido construir um novo grande aeroporto de Lisboa em Rio Frio, na margem sul, ali a seguir ao Pinhal Novo. Em 1972 foi aberto o concurso internacional para a sua construção e exploração, só que, com a queda do regime em 1974 e o fim do Império, o concurso foi anulado. Durante as décadas seguintes, o tema do aeroporto praticamente deixou de ser falado.

Empolgado com a conclusão de grandes obras no país, como a Expo 98 e a ponte Vasco da Gama, no final dos anos 90, o governo da altura, chefiado por António Guterres, decidiu então retomar o processo da construção de um novo aeroporto de Lisboa. Era ministro das Obras Públicas João Cravinho.

Cravinho decidiu então encomendar um estudo ao consultor Airports de Paris, que ficou incumbido de comparar dois locais: Rio Frio (que havia sido escolhido em 1972) e a Ota, na margem norte do Tejo. A metodologia seria um estudo multicritério, em que eram comparados os aspetos mais relevantes das duas localizações e ponderados de forma judiciosa. Ao mesmo tempo, eram elaborados estudos de impacto ambiental das duas localizações, para os seus resultados serem incorporados na análise a realizar pelo consultor. O relatório do estudo estava previsto ser entregue em setembro de 1999.

O impensável aconteceu então: dois meses antes, em julho, invocando impactes ambientais pretensamente irreversíveis em Rio Frio, o secretário de Estado do Ambiente na altura, José Sócrates, impôs à sua chefe, a ministra do Ambiente, Elisa Ferreira, um despacho a vetar essa localização. Em setembro seguinte o consultor apresentou o seu estudo, tendo concluído que Rio Frio era a melhor localização. Contudo, a decisão do governo estava tomada: o novo aeroporto de Lisboa seria na Ota. Só que, vai correr mal…

Com a “fuga” de Guterres no final de 2001, o assunto do aeroporto ficou em “banho-maria”, até que, em 2005, José Sócrates, agora primeiro-ministro, decide retomá-lo. Contudo, as críticas à Ota são agora demolidoras, tornando a sua defesa insustentável. Então, em meados de 2007, aproveitando a “boleia” de uma sugestão da CIP para uma alternativa à Ota no Campo de Tiro de Alcochete, Sócrates decidiu encomendar ao LNEC um estudo comparativo dessas duas localizações.

Embora os media considerassem na altura que este ato era para dar credibilidade à Ota, a ideia era mesmo deixar cair a Ota, o que, embora de forma pouco objetiva, o estudo acabou por concluir. O novo aeroporto seria agora em Alcochete, na verdade, num local bem mais longe, em Canha.

Contudo, o espectro da bancarrota do Estado aproximava-se a passos largos, o que levou Sócrates a um acordo com a troika e a imposição ao país de um pesado programa de austeridade durante os anos seguintes. Os “Grandes Projetos” (entre os quais o Novo Aeroporto) ficavam congelados.

Passos Coelho, que sucedeu a Sócrates como primeiro-ministro e a quem coube o ónus de aplicar o programa de austeridade, decidiu então alterar a estratégia quanto ao aeroporto de Lisboa: a Portela seria mantida e seria construído um aeroporto complementar numa das bases militares da região de Lisboa, tendo a escolha cabido à BA6, no Montijo. No final de 2013, a ANA (agora concessionária de todos os aeroportos nacionais até 2062) é vendida ao grupo Vinci, que pagou ao Estado mais de três mil milhões de euros.

António Costa, que se segue como primeiro-ministro, adere à estratégia de Passos Coelho e, em 2017, acorda com a ANA um Memorando de Entendimento: a capacidade aeroportuária de Lisboa será quase duplicada, passando para 72 movimentos por hora no conjunto dos dois aeroportos, a que irá corresponder uma capacidade de movimentação de passageiros da ordem de 45 a 50 milhões por ano, tráfego que, provavelmente, nunca será atingido. Os custos envolvidos, da ordem de 1100 milhões de euros (550 milhões na Portela e outro tanto no Montijo), seriam encargo da ANA.

Os “herdeiros” das megalomanias de José Sócrates é que não desarmam e insistem num novo aeroporto em Alcochete, chegando ao cúmulo de sustentar que uma primeira fase de um aeroporto em Alcochete seria mais barata que o aeroporto do Montijo. Só que a ANA (que é quem paga) sabe que isso não é verdade e não está para lá pôr o seu dinheiro. Além disso, com a instabilidade da TAP, o hub aeroportuário em Lisboa não tem garantias de futuro e sem hub não faz sentido um aeroporto num local tão longínquo.

Descobriu-se, entretanto, a existência de uma lei da República que dá o direito de veto aos municípios em questões de localização de aeroportos, o que foi aproveitado por duas câmaras do PCP para se oporem ao processo, que ficou assim congelado.

Atado de pés e mãos, há um ano atrás o Governo acordou então com o PSD a realização de uma Avaliação Ambiental Estratégica em que o cenário Portela + Montijo seria comparado com o de um aeroporto em Alcochete. Ora, uma decisão por Alcochete acarretaria um pesado encargo financeiro para o Estado, dinheiro que não há.

Então, como, com a maioria absoluta conseguida nas eleições de janeiro último, o Governo deixou de depender de terceiros, em 29 de junho o Ministério das Infraestruturas publicou um despacho a dar conta de que o Governo tinha decidido avançar com o Montijo, para estar a funcionar no final de 2026. Uma solução sensata (a única viável nesta altura), mas que, obviamente, colide com alguns interesses.

Vem então a “política à Portuguesa”. O Presidente da República reage e diz não saber de nada. Costa, “apanhado” em Bruxelas, no Conselho Europeu, manda revogar o despacho; supostamente, era o fim do ministro. Contudo, após uma reunião entre os dois, tudo fica resolvido. Entretanto, o ministro esclarece que informara previamente Carlos Moedas, figura incontornável do PSD. E Costa? Será crível que não estivesse a par da preparação do despacho? Provavelmente, alguém se esqueceu (ou não teve condições) para informar o Presidente da República.

Luís Montenegro, o novo líder do PSD e antigo braço direito de Passos Coelho, procura agora capitalizar o incidente, atirando que a responsabilidade é do Governo.

Basta de politiquice: é altura de os políticos responsáveis do país porem de lado os seus tacticismos e se assumirem como homens de Estado. É o futuro de Portugal e dos Portugueses que está em jogo.»

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