«Quando começou, parecia promissor. Conceitos como "consumo colaborativo" ou "economia de partilha" eram revolucionários nos anos da crise financeira de 2007/2008 (em Portugal, a fatura mais pesada chegou em 2011, com a crise da dívida pública e a troika).
Parecia possível aceder a bens e serviços de uma forma mais racional, poupando dinheiro e até aproveitando para ganhar algum. Adivinhava-se um tempo em que cada um de nós poderia alugar diretamente um carro ou uma casa em qualquer ponto do planeta, a um preço razoável. Ou, na outra face da moeda, alugar o nosso carro e a nossa casa e assim compor o orçamento familiar, sempre demasiado estreito. Sem barreiras, porque uma plataforma digital não era bem um intermediário. Também queriam ganhar dinheiro, bem entendido, mas estavam ali sobretudo para pôr em contacto direto cidadãos do Mundo que acreditassem no consumo colaborativo. Melhor ainda, estavam ali também para dar dinheiro a ganhar a quem quisesse aproveitar a economia de partilha. A globalização com um cheiro a liberdade individual. Assim andámos cerca de uma década. Até se perceber que afinal já não estávamos a poupar. Que não íamos usar o carro de outro cidadão, antes uma viatura de uma frota de uma qualquer empresa. Conduzido por alguém que tem condições laborais piores que o antigo motorista de táxi. Até se perceber que não havia partilha de casas. O que tínhamos era gente a entrar e a sair do apartamento onde já não havia vizinhos, expulsos pela subida absurda no valor das rendas. As plataformas eram, afinal, multinacionais que seguiam a máxima de sempre: esmagar a concorrência e conseguir o máximo de lucro. Pior, como agora vemos nos "Uber Leaks": sem escrúpulos a corromper políticos (chamam-lhe lóbi) e garantir que não há regulação. Nem resistência de trabalhadores organizados em sindicatos. Privatizar os lucros, socializar os riscos. É a síntese desta economia de partilha digital. Capitalismo selvagem no seu melhor.»
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