17.7.22

Spin doctoring no Tribunal Constitucional

 


«“Tendo em conta as novas e exigentes dinâmicas de comunicação”, o Tribunal Constitucional (TC) decidiu contratar “uma empresa especializada e com comprovada experiência na área” da Consultoria de Comunicação. Na aparência, esta notícia parece singela e inofensiva. No essencial, impõe uma série de questões que põem em causa não apenas a natureza de um órgão de soberania e das suas necessidades de comunicação com os cidadãos, como possíveis conflitos de interesses que põem em crise a natureza do Tribunal Constitucional no sistema político e judicial.

É possível começar esta discussão sobre a escolha da empresa do consultor Luís Bernardo, sublinhando o seu historial no mundo da comunicação, desde os tempos de José Sócrates até ao seu trabalho no Benfica numa época em que o clube e o seu presidente se viram envolvidos em complexos processos judiciais. Mas, como os advogados, o trabalho dos “spin doctors” implica por vezes ligações com pessoas ou instituições suspeitas, pelo que é melhor não ir por aí. Mesmo que por más razões, não está em causa a sua competência e profissionalismo.

Deve-se, isso sim, tentar perceber por que razão precisa o Tribunal Constitucional de contratar serviços de assessoria que, pela sua legítima função, têm como objectivo limar a informação, expurgá-la de ângulos mais agudos e torcer com os malabarismos da propaganda a realidade dos factos que se pretendem comunicar. Que uma empresa tenha essa necessidade, entende-se. Que um clube de futebol queira cimentar as suas relações emocionais com a claque, também. Já o TC não se entende. Que se saiba, a sua missão no sistema de poderes exige o máximo de sisudez, de austeridade, de institucionalismo.

Quererão os seus juízes influenciar os jornalistas sobre o modo como os acórdãos são lidos e interpretados? Haverá por lá quem se queira proteger das consequências do seu juízo e da sua liberdade e necessite de alguém que lhes diga como amaciar essa inevitabilidade. Não há-de ser por aí, dada a craveira dos seus membros. Ainda assim, convém recordar que o TC não precisa de se envolver nas “novas e exigentes dinâmicas de comunicação”. Tem de ser o que sempre foi: vetusto e circunspecto, como se exige a um tribunal. Ou quererão os seus juízes publicar “stories” no Instagram?

Depois, e questão talvez ainda mais complicada, é o perigo de colocar dentro do tribunal uma agência que, naturalmente, faz assessoria a empresas e outras instituições privadas. Se por acaso um dos seus clientes apresentar um recurso ao Constitucional, e se um jornalista quiser saber desse recurso, como vai a agência responder? Já sabemos que, quer o tribunal, quer a empresa prometem evitar incompatibilidades e conflitos de interesse. Mas, um tribunal superior tem mesmo de se arriscar a esse tipo de suspeições?»

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