«Em Janeiro, no debate com Jerónimo de Sousa, António Costa dizia não sentir confiança para afirmar que a chamada ‘geringonça’ fosse “uma solução estável”, pelo que a “solução segura e certa” seria uma maioria absoluta do PS. Oito meses depois, o Governo está de facto bastante estável, no sentido em que costumamos ouvir dizer que um paciente com diagnóstico reservado se encontra estável. Marta Temido demitiu-se mas, até ver, continua em funções — até porque, de acordo com os jornais, o primeiro-ministro quer que seja ela a levar ao Parlamento o diploma que regula a nova direcção do Serviço Nacional de Saúde (SNS). Ou seja, a ministra está em morte política, mas ficará ligada à máquina do Estado durante mais umas semanas. Em defesa de António Costa, é preciso admitir que só a estabilidade de uma maioria absoluta permite que seja um ministro demissionário a tomar decisões importantes para o futuro.
Paradoxalmente, a saída da ministra veio revelar que há alguns sinais de que o estado da saúde é melhor do que parece. Quando a demissão foi noticiada, à uma e meia da manhã de terça-feira, percebemos que, apesar de tudo, nem tudo está mal no SNS. Quem se demite àquela hora da madrugada é porque tem urgência em fazê-lo, e acaba por ser reconfortante saber que ainda há quem consiga ser atendido de urgência por causa de questões de saúde em Portugal.
Outro aspecto animador é o facto de, há cerca de um ano, Marta Temido se ter tornado militante do PS. Enquanto independente, a ministra permaneceu três anos no cargo. Depois de se tornar militante, só aguentou um ano. O que significa que, ao contrário do que maldosamente se diz, o cartão do PS não garante um emprego no Estado.
Menos tranquilizador é o que a demissão revela sobre Portugal. A ministra foi capaz de enfrentar dois duros anos da maior pandemia dos últimos 100 anos com alguma desenvoltura. Mas alguns meses de confronto com o simples dia-a-dia do SNS português foram impossíveis de suportar. Pandemias comemos nós ao pequeno-almoço. Encontrar um modo de fazer o país funcionar sem sobressaltos é que é quase impossível. E o certo é que a ministra ficou desamparada: durante a pandemia os portugueses isolaram-se em casa para proteger o SNS; nos últimos tempos resolveram viver normalmente, o que em Portugal só pode dar mau resultado. Quando a directora-geral da Saúde e o Presidente da República pediram aos cidadãos que evitassem adoecer sabiam do que estavam a falar. Se não houver doentes, o SNS funciona na perfeição. A demissão da ministra, sozinha, não resolve nada. Enquanto os enfermos não puserem a mão na consciência e não se demitirem também, o problema persistirá.»
.
1 comments:
O que faz falta é uma Primavera árabe.
Enviar um comentário