«As eleições gerais brasileiras deste ano, que culminarão no próximo dia 30 com o segundo turno da disputa presidencial, opondo Bolsonaro a Lula, não dizem apenas respeito ao país, mas, em graus diferentes, a todo o mundo. Maior nação da América Latina, maior país de língua portuguesa, segundo país do mundo com população de origem negro-africana, com potencial para ser das maiores economias do mundo (durante a primeira presidência de Lula, chegou a ser a sexta) e, last but not the least, abrigando a maior parte da maior floresta do mundo, a Amazónia - todas essas condições e circunstâncias tornam inegável e indiscutível a importância do resultado das atuais eleições brasileiras para o resto do mundo.
A análise acrescenta igualmente outra circunstância: o Brasil é, neste momento, um dos cenários onde a extrema direita mundial mostra, às escâncaras e sem qualquer pudor, a sua cara e a sua força. Diga-se, entretanto, que isso não aconteceu de repente, a partir da eleição de Bolsonaro quatro anos atrás, tendo existido desde sempre na sociedade brasileira, fundado na persistente mentalidade da Casa Grande e Senzala herdada da escravidão, agravada e "refinada" pelas ondas de imigrantes europeus, muitos deles de mentalidade nazista, que chegaram ao país no século 20, tendo-se instalado sobretudo no sul.
O processo de americanização cultural da sociedade brasileira, tornado irreversível a partir da 2.ª Guerra Mundial, teve igualmente e continua a ter a sua influência nesse sentido, do acirramento e cristalização do individualismo dito "liberal" (transformado, assim, em mero egoísmo doentio) ao neoconservadorismo religioso atual, passando pela violência policial, o culto das armas e crenças como o supremacismo branco.
Assim, e por todas as razões atrás apontadas, o Brasil é, hoje, um grande laboratório das ideias e estratégias da extrema direita mundial, cujo centro são os Estados Unidos, mas cujas ramificações se estendem a vários países do mundo e em todos os continentes. A guinada institucional do Brasil para a extrema direita ficou patente, nas atuais eleições, nos resultados para o Congresso, em especial o Senado.
Uma das explicações que a maioria dos analistas se apressou a dar para isso foi a influência dos evangélicos (explicação que, embora mais simples, não é certamente a mais acurada, pois nem todos os evangélicos são de extrema direita). Poucos mencionaram quer o substrato cultural do "Brasil profundo", nomeadamente o elitismo das suas classes dominantes e o racismo estrutural do país, quer a influência das conexões internacionais de Bolsonaro e os seus aliados com a extrema direita norte-americana e mundial.
Uma das raras exceções foi o pastor evangélico negro e progressista Ronilson Pacheco, que publicou a 7 de outubro deste ano um artigo no site da Intercept Brasil, com o título "Conversar com os evangélicos não surtirá efeito agora" e cuja leitura recomendo a todos. A síntese do seu artigo está resumida logo na primeira frase: "Não adiante mais discutir evangélicos nessa eleição. Não é mais sobre eles que devemos nos debruçar - é sobre a consolidação do nacionalismo cristão reacionário, que emergiu como ideologia política da extrema direita global, descolada do fascismo tradicional. É nesse movimento que o Brasil está".
Para Pacheco, a questão é, por exemplo, "como Eduardo Bolsonaro [filho do ainda presidente] costurou relações com a extrema direita dos EUA (...). Também é sobre como recuperaram o Israel reacionário, idealizado como "nação escolhida", servindo de referência para uma ideologia que justificasse o Brasil autoritário e moralista, "abençoado por Deus". É como o governo Bolsonaro se juntou ao círculo de Viktor Orban, primeiro ministro da Hungria".
Essa deriva pode começar a ser contida no próximo dia 30 de outubro, se Lula confirmar o seu favoritismo e derrotar Bolsonaro no segundo turno. Embora dividida, grande parte da sociedade brasileira parece ter entendido isso, a avaliar pelo grande arco de forças e políticos democráticos, da esquerda ao centro-direita, que apoiam Lula. Estou certo que o mundo também respirará um pouco mais aliviado, pois a luta para travar o avanço mundial da extrema direita diz respeito a todos.»
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