16.10.22

Da crise de Marcelo saiu um coelho: Passos, Passos Coelho

 


«É fácil o trocadilho, mas depois da sua semana horribilis, o Presidente da República tinha que tirar qualquer coisa da cartola. Saiu o “coelho” que uma parte da direita idolatra, que em certos sectores do PSD é olhado de forma sebastiânica e que se afastou totalmente da política.

O centenário de Agustina Bessa-Luís foi o cenário escolhido, com o antigo chefe de Governo sentado na primeira fila. Além de se referir a Passos Coelho como “senhor primeiro-ministro”, Marcelo – logo ali – quis “lembrar quanto Portugal lhe deve no passado e quanto Portugal está seguro de lhe vir a dever, muito mais, no futuro”. Podemos escrever nos nossos diários que Marcelo Rebelo de Sousa deu o primeiro e mais importante empurrão para a candidatura de Passos Coelho a Belém em 2026.

Mas o Presidente não se ficou por esta frase singela. Cá fora, aos jornalistas, disse mais, num elogio muito eloquente ao homem que um dia o descreveu a ele, Marcelo, como “um cata-vento”. Vale a pena repetir estas palavrinhas todas porque vão servir para a pequena história da política portuguesa.

Frase 1: “Sendo tão novo, o país pode esperar, deve esperar muito ainda do seu contributo no futuro, não tenho dúvidas”; frase 2: “O país deve, num período muito difícil de crise na troika, ao primeiro-ministro Passos Coelho, uma resistência que ainda há dois dias pude ouvir ser elogiada pela boca da então chanceler Angela Merkel. Portanto, é reconhecida cá dentro e reconhecida lá fora, é um facto”.

O lançamento da candidatura presidencial de Passos Coelho – é de notar que quando foi interrogado pelos jornalistas aqui há uns tempos o ex-primeiro-ministro recusou falar do assunto, mas não terminantemente a intenção – foi assim o “facto político” com que Marcelo quis encerrar a pior semana da sua vida como Presidente da República.

Isto acontece porquê? Primeiro, Marcelo percebeu o descontentamento que existe no espaço político institucional da direita a seu respeito: Luís Montenegro não o defendeu e Miguel Pinto Luz atacou-o mesmo, depois da frase terrível sobre os 400 casos de abuso sexual de menores na Igreja. Depois, porque Marcelo percebeu muito bem o “presente envenenado” que constituíram as declarações de António Costa em sua defesa. Ficar agradecido ao primeiro-ministro depois de tanta fraternidade condenada pela direita é o pior que podia acontecer ao Presidente.

Daí as declarações ao Expresso, que, de tão inusitadas, só podem ser lidas à luz de um Presidente que sabe estar acossado e que não quer ficar devedor político da homenagem que Costa lhe prestou.

A péssima relação entre Marcelo e Passos Coelho vem de 1996 quando Passos, apoiante da primeira hora de Marcelo para a liderança do PSD, acabou por, no Congresso de Santa Maria da Feira que elegeu o novo presidente social-democrata, recusar-se a aceitar qualquer cargo na direcção.

Vinte anos depois, em 2016, Passos não queria que o PSD tivesse como candidato presidencial Marcelo Rebelo de Sousa e fez tudo para o evitar, incluindo escrever em moções que o PSD nunca apoiaria ninguém com o perfil de Marcelo.

O nome de Marcelo não constava do papel, mas a frase da moção ao congresso de 2014 é uma delícia: o PSD não deveria apoiar um candidato “protagonista catalisador de qualquer conjunto de contrapoderes ou um cata-vento de opiniões erráticas em função da mera mediatização gerada em torno do fenómeno político”. Depois de muito pressionado, Passos acabou a aceitar apoiar a candidatura de Marcelo.

Resta saber se o lançamento da candidatura presidencial de Passos é uma opinião errática “em função da mera mediatização gerada em torno do fenómeno político”. Pode não ser.»

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