26.3.23

A roupa nova do imperador

 


«Uma vez fui a Vizela levar um banho de multidão. A campanha do PPM estava a correr mal. Tinha havido uma conferência de imprensa em que o único jornalista que compareceu — um estagiário muito bem-educado — tinha de fazer perguntas aos cinco membros da mesa. Estes faziam esticar as respostas, até porque estava lá a televisão e tudo.

“Vamos a Vizela, que tu precisas é de um banho de multidão!”, disse o meu amigo Luís, explicando que éramos o único partido a defender a elevação de Vizela a concelho e que os vizelenses, lendariamente exuberantes, queriam mostrar a gratidão.

Quando lá chegámos, não estava lá ninguém. Fomos à procura de alguém que nos explicasse o que se tinha passado, mas também não tivemos sorte. Voltámos para Lisboa sem ter tomado banho. Vizela tinha falado. Pouco tempo depois, quando fomos a votos, Portugal inteiro deu-lhe razão.

Foi por isso com um estranho alívio que tomei conhecimento da estátua que Vizela ergueu ao homem que conseguiu mesmo elevá-la a concelho: António Guterres. Investiram-se 400 quilos de bronze para elevar o Engenheiro a dois metros de altura, ao câmbio de 200 quilos por metro.

Não me detive no pormenor dos sapatinhos, subtilmente abertos ao diálogo. Embora curtos de biqueira, ostentam chorosos atacadores, quais choupos à beira dum rio seco.

Veja-se como fazem questão de se distanciar das bainhas das calças, recuadas nas barrigas das brônzeas pernas, ao estilo pour fuir la police que as jovens veraneantes portuguesas conhecem como “corsários”. Tão-pouco me deixei deslumbrar pelo mullet azul-cobalto com que o estadista desafia os padrões convencionais da beleza masculina. Mas aprendi uma coisa: com os inimigos e os gozões podemos nós bem. Temos é de ter cuidado com os homenageantes.

Nada é mais mortífero do que aquilo que é feito com boa vontade. Os heróis com pés de barro não são nada, comparados com os que foram enaltecidos com pés de bronze.

Que mais ninguém se meta com Vizela!»

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1 comments:

Rui Figueiredo disse...

Curiosa homenagem à criatura que fugiu em Dezembro de 2001 deixando no encalço o cheiro a água benta