«O ensino público está há meses perturbado pelas greves. O sistema judicial adia milhares de diligências por força da paralisação dos oficiais de justiça. As urgências médicas da Área Metropolitana de Lisboa tiveram de ser reduzidas por falta de meios, e em zonas como as que são servidas pelo Hospital Beatriz Ângelo, médicos, autarcas e utentes falam com saudades da parceria público-privada que o Governo descartou. No serviço de estrangeiros, desiste-se de emitir autorizações de residência por falta de capacidade de resposta. A CP desdobra-se em greves a cada semana e em atrasos impensáveis sempre que opera.
Há muito que a degradação dos serviços públicos está entre as maiores preocupações dos portugueses. O PÚBLICO lançou em Junho de 2022 um amplo debate sobre “o estado do Estado” e já na altura vários estudiosos apontavam para sinais de debilidade preocupante nos serviços prestados ou na qualidade das políticas públicas. Nas últimas semanas, essa percepção agravou-se. Os conflitos e os danos sociais multiplicam-se. Nada aponta para que se resolvam, seja pela negociação seja pelo endurecimento das posições do Governo. Os cidadãos sentem-se reféns e desesperam. O espaço de compromisso, fundamental numa democracia, reduziu-se.
Muitos dos problemas resultam, como se sabe, de anos de desinvestimento. Um país no marasmo económico há 30 anos perdeu as condições para valorizar salários e carreiras, para contratar pessoal qualificado ou para modernizar infra-estruturas. Durante a troika, porém, o Estado deu sinais de resistência. Nos anos da pandemia, a resposta de serviços cruciais foi positiva. Na actual crise, estes sinais rareiam. Os portugueses, principalmente os mais desfavorecidos, estão entregues a si próprios.
Não se vislumbram indícios de que a tempestade seja passageira. Os sindicatos radicalizaram posições. Não há margem para o diálogo nem para a negociação, onde todos cedem. O Governo tenta apaziguar o conflito e fica à espera de que a tempestade passe. Deixa andar. Age como se tudo fosse normal. Não é. A escola pública pode perder o ano. Os tribunais ficam mais caóticos. Os hospitais afundam-se. O apego à democracia dilui-se. O PRR não faz milagres num país fracturado.
O Governo adora o Estado, mas testemunha a sua pior crise. Não se espera que proíba greves. Não se espera também que prolongue esta atitude passiva. Tem uma missão espinhosa: cumprir a lei e defender o interesse colectivo. Há momentos críticos em que é preciso clareza e coragem. Este é um deles. Pior de tudo, é viver esta crise grave como se nada fosse.»
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