29.3.23

Um homem afegão matou – chama-se uma oportunidade

 


«Duas mulheres morreram e um homem ficou gravemente ferido na sequência de um esfaqueamento. As vítimas têm nacionalidade portuguesa e o atacante nacionalidade afegã. À hora em que escrevo, desconhecem-se as motivações destes crimes. Pouco se sabe para já. Apenas que o homem costumava ir ao centro ismailita para ter aulas de português e receber apoio alimentar. É pai de três filhos menores e poderá ter um distúrbio mental. Mas o assunto de que vos quero falar terá atualidade independentemente do que vier a ser apurado sobre o atacante e as suas motivações.

O assunto aqui é que – apesar de quase nada se saber – houve quem se atrevesse a comentar os crimes atribuindo-os ao facilitismo das políticas de imigração portuguesas e incentivando ao ódio e à xenofobia.

Sem surpresa, André Ventura destacou-se como uma dessas vozes. Durante a tarde de ontem, declarou na rede social Twitter: “A política de portas abertas sem qualquer controlo deu nisto. O sangue destas vítimas é responsabilidade do criminoso afegão, mas está nas mãos do governo de António Costa.”

O líder de um partido político com representatividade dirigiu-se aos portugueses na sequência de uma tragédia, que causou vítimas, e não dirigiu uma palavra aos seus familiares. De igual modo não lamentou as mortes ou tão-pouco se solidarizou com a comunidade ismailita. Nem ao menos lhe ocorreu elogiar a intervenção dos agentes da PSP que conseguiram imobilizar e deter o homem atingindo-o apenas nas pernas. Este elogio faria todo o sentido atendendo ao historial de Ventura com as forças policiais e sobretudo atendendo ao bom trabalho dos agentes. Mas de nada disto se lembrou o líder do Chega.

Quis apenas tratar como oportunidade uma tragédia. Oportunidade para quê? Para incentivar ao ódio, à xenofobia e à discriminação e para atribuir responsabilidades – precipitadas e totalmente infundadas – a António Costa e ao Governo. Poderíamos falar, sim, das responsabilidades de quem propaga o racismo no cometimento de crimes de ódio racial – como o homicídio de Bruno Candé.

Mas quero aprofundar o sentido em que esta tragédia, ou estes crimes, se afigura como oportunidade para André Ventura.

Neste momento, mais do que difundir uma mensagem de extrema-direita por acreditar nesses ideais, André Ventura aproveita-se dos preconceitos e dos medos de muitos portugueses e diz o que sabe que muitos querem ouvir. Se não tivesse uma audiência pronta para valorizar e aplaudir aquelas palavras, o líder do Chega não as teria dito.

Houve tempos em que políticos de extrema-direita portugueses apregoavam ideários neofascistas, colonialistas e racistas contra a maré. Eram bons tempos. Dizia-se que cá o mal não pegaria; que estávamos imunes ao que assistíamos noutros países. Esses políticos não tinham o talento de André Ventura para dizer o que algumas pessoas querem ouvir. Tinham apenas convicções. Péssimas convicções, mas verdadeiras. Já André Ventura chegou a fazer uma tese de doutoramento de índole humanista em que alertava para os perigos do pânico social (resultante da ameaça de terrorismo) como susceptível de estigmatizar minorias e comunidades.

André Ventura propôs acabar com a escola pública, mas também marchou ao lado dos professores e apresentou-se como seu defensor. Temos assistido. Este oportunismo sem qualquer apego aos princípios, mesmo que sejam maus princípios, é a maior marca que este político deixa.

Estas não são boas notícias.

É que quando lemos o tweet de André Ventura podemos ter a certeza de que – mais do que o seu pensamento sobre o que aconteceu ontem em Lisboa no centro ismailita – ficamos a saber qual é o pensamento de uma parte significativa dos portugueses e que mensagem querem que seja dita, alto e bom som, em pleno espaço público. E isto é assustador. O problema já está numa fase muito avançada. Como um alquimista maligno, Ventura transformou sofrimento português em raiva portuguesa. O mal está feito.

Ventura jamais diria alguma coisa que soubesse que o iria fazer perder eleitorado. Aquele tweet resulta da radiografia que o líder do Chega fez aos portugueses. É o espelho do triste estado a que este país chegou: ser assim é popular e dá votos. É oficial.»

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1 comments:

Monteiro disse...

O Ventura é um trapalhão atrapalhado que grita quando devia estar calado.