15.6.23

O Carnaval dos descartáveis

 


«Vou ser optimista: os descartáveis têm os dias contados. Representaram um curtíssimo período de luxo e loucura que foi contra todos os séculos anteriores.

Passeio pela loja da esquina como se passeasse por um museu: olha, um pacote de quatro máquinas de barbear. Porquê quatro? Ora, porque, quando a lâmina se gasta, deita-se fora a máquina e vai-se buscar a próxima.

Lembro-me de ir ao Rossio encher o isqueiro. Havia outras tabacarias que faziam o mesmo serviço, mas eu preferia aquela, onde nunca se desperdiçava um jacto de gás. Também enchiam isqueiros de gasolina, substituíam pedras e, caso mesmo assim teimassem em não acender, faziam as reparações necessárias.

Como é que caímos na tentação dos isqueiros descartáveis? Será que a Bic ainda vai parar ao banco dos réus? Quem é que não sentia uma ponta de culpa, quando deitava fora uma esferográfica?

Se calhar, temos de aproveitar estes últimos anos de desperdício alegre e irrepetível. Nos países mais ricos do que o nosso, já há sapateiros como os que havia cá. Lentamente, as coisas voltam a ser reparadas – não pelos pobres, que não têm dinheiro para esses luxos, mas pelos ricos que querem impressionar os amigos.

Soube que a Apple ganhou um prémio de longevidade, porque os iPhones podem durar até sete anos. Sete anos! Sete anos não é nada. Mas já é considerado muito tempo.

Mas não podemos cair na tentação de achar que estamos perdidos. Já não estamos! Os tempos já viraram. Já há descartáveis proibidos e a lista dos tolerados diminui de dia para dia. As reparações estão a regressar.

E qualquer dia reaparecem os frigoríficos que duram 50 anos.

As pessoas pensam que os descartáveis são baratos, mas, se somarmos o que gastámos em descartáveis ao longo de uma vida, veremos que as boas canetas e outros objectos infinitamente renováveis, para além de darem mais prazer e de se poderem deixar aos filhos, acabam por sair mais baratos.

Para efemeridade, basta a efemeridade da alegria.»

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