9.7.23

Enterrar a transparência

 


«Há temas em que os factos são mais eloquentes do que qualquer comentário que se possa acrescentar. Vamos a eles. Em novembro de 2019, a Assembleia da República criou a Entidade para a Transparência, destinada a reforçar a fiscalização de rendimentos, património, interesses e incompatibilidades de titulares de cargos públicos.

Depois de três anos de desvalorização do tema e da invocação de entraves como a interpretação das normas para a constituição da equipa, em novembro de 2022 o Tribunal Constitucional deu sinal de vida. Aprovou finalmente uma proposta para criação e instalação da nova entidade num espaço provisório, ficando traçado o objetivo de concluir o processo antes que o ano terminasse.

Em janeiro, a Entidade da Transparência continuava sem sair do papel, mas era finalmente nomeada a equipa de direção. O tribunal decidia então prescindir de arrendar um espaço próprio e aguardar pelo Palácio dos Grilos, em Coimbra, para que essa instalação fosse concretizada nos meses seguintes. Chegados a julho, eis que tudo continua na mesma. Falta um contrato de arrendamento (que depende do Governo) para que possam ser feitos procedimentos tão simples como a ligação de luz, água e Internet. Já circularam cartas pela Presidência e Assembleia da República, e o Executivo promete uma solução para breve.

Não há propriamente um responsável direto por esta inércia e é provável que ela resulte de puro desleixo ou perda de tempo na burocracia e morosidade em que os organismos do Estado são useiros e vezeiros. Nada que console, bem pelo contrário: toda esta corrida de obstáculos mostra bem a ineficácia da máquina pública e a falta de empenho de várias entidades num tema que deveria ser prioritário. Numa altura em que a confiança de boa parte dos cidadãos na classe política está minada e todos os mecanismos legais e éticos que reforcem a regulação são bem-vindos, enterrar a transparência é um péssimo serviço prestado aos próprios políticos. E é, pela tentação de cedermos a conclusões demagógicas, um dano causado à própria democracia.»

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