15.8.23

A tragédia de Maui pode acontecer em Portugal

 


«Por mais que se tente ignorar, o que se passou em Maui, no Havai, podia muito bem acontecer em Portugal, e isto devia ser interiorizado. No ano passado comentei sobre este assunto, mas esta temática continua a ser ignorada pelos agentes construtivos e pelos engenheiros projectistas.

As alterações climáticas vieram para ficar. Assim sendo, devemos estar protegidos com medidas passivas para sobreviver à passagem do fogo florestal, quando este atingir as nossas habitações.

O que passou na ilha de Maui foi na realidade um evento extremo, como o que tivemos em Portugal em 2017. Mas desta vez foi ainda pior. Quando em conjunto com um incêndio florestal, começa um furacão, nada vai parar o fogo que avança rapidamente enquanto encontra combustível. O papel dos bombeiros nestes tipos de eventos é quase irrelevante. Estes heróis pouco podem fazer nestas situações extremas.

Resumindo, passou-se de um incêndio numa vegetação densa para um incêndio urbano, que nada parou enquanto o fogo conseguia encontrar combustível, fosse ele natural ou artificial. Como reportaram algumas testemunhas, a velocidade do fogo foi elevada e muitas pessoas foram apanhadas de sobressalto, algumas chegaram a saltar da estrada para o mar, numa tentativa desesperada de fugir às chamas. No momento em que escrevo, contabilizam-se mais de 90 mortes e 2200 edifícios destruídos. Algumas das vítimas morreram dentro de casas, envoltas pelas chamas. O fogo percorreu a cidade de Lahaina em menos de 17 minutos. Quando os bombeiros chegaram, as chamas já se tinham apagado. O valor dos danos tem sido estimado em cerca de 6 mil milhões de dólares.

Estas mortes e destruição das habitações podiam ter sido evitadas, quando o fogo atingisse a interface urbano florestal? Devido às alterações climáticas, garantir que não há fogos florestais é uma opção irrealista. Pelo que a resposta mais simples é: as habitações têm de ser à prova de fogo florestal, com tipologias construtivas antifogo nas fachadas exteriores.

Presentemente, em Portugal, já temos a possibilidade requerer estas tipologias construtivas e de permitir que os engenheiros promovam projectos de edificação com regras antifogo florestal, através do despacho n.º 8591/2022. Também no centro de investigação no CERIS [Civil Engineering Research and Innovation for Sustainability), do Instituto Superior Técnico, através do projecto Wildfire House Protection (whp.tecnico.ulisboa.pt), já temos toda a informação sobre como tornar qualquer edificação um refúgio, para que, quando uma localidade urbana seja atingida por um fogo florestal, as pessoas se escondam com segurança em casa, em vez de fugir para a estrada onde o fogo alastra com temperaturas que podem chegar aos 800 a 900°C. Estes guias construtivos servem tanto para construções antigas como construções novas, sendo que as primeiras têm de passar por um processo de reabilitação.

As medidas do projecto Aldeias Seguras são de louvar, mas, no caso de eventos extremos semelhantes ao de Maui, estas medidas activas e reactivas não são suficientes.

Estará Portugal rural preparado para embarcar na protecção passiva das suas habitações, para num futuro próximo salvar múltiplas vidas?»

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