26.2.24

Bloco central, nem informal

 


«Andamos há semanas a discutir a viabilização de governos e a governabilidade sem nunca sermos claros sobre aquilo de que estamos todos a falar. Apesar de uns tropeções no caminho, Pedro Nuno Santos esclareceu, até com excesso de pormenor, o que fará: em caso de perder as eleições e não ter uma alternativa viável não impedirá uma AD vitoriosa de tomar posse, não criando um impasse em que não há governo e não se pode dissolver o parlamento. Isto traduz-se no compromisso de não apresentar ou votar favoravelmente uma moção de rejeição ao programa do governo, nessas circunstâncias.

Quanto a Luís Montenegro, perguntado se apresentará uma moção de rejeição a um governo do PS, disse, a 30 de janeiro, numa entrevista à CNN: “Não seremos nós a viabilizar um governo que é contra aquilo que nós defendemos”. Podendo estar a falar de Orçamentos de Estado, Anselmo Crespo perguntou se apresentariam uma moção de rejeição ao programa e Montenegro respondeu: “Atuaremos em conformidade”. Depois disto, Montenegro criou o tabu, dizendo que não fala na derrota de que já falou quando disse que não governaria se perdesse. De caminho, tivemos Nuno Melo, do CDS, e Pedro Duarte, do PSD, a dizer que a AD viabilizaria um governo do PS e a desdizê-lo, por pressão interna, no dia seguinte. No que toca a ziguezagues, há cromos para a troca.

Tratarei da falta de reciprocidade entre PS e PSD, um tema que tem sido complicado para justificar o injustificável, noutro texto. Seja como for, estamos a falar, até aqui, de deixar ou não tomar posse, para não haver impasse em que não temos governo possível. Estamos a falar apenas da viabilização da posse do governo. De fora disto tem ficado, ao contrário do que muitos jornalistas parecem pensar, numa confusão entre viabilização de posse e viabilização de governação, com a sucessão de aprovações de orçamentos. Considero erradas as exigências para a sustentação (com voto favorável ou abstenção em orçamentos) de um governo do PSD ou do PS pelo seu mais forte opositor. Erradas antes das eleições e depois das eleições.

Antes, porque no momento em que o Partido Socialista disser que suporta, com o voto favorável ou a abstenção em orçamentos, um governo de direita liberta voto de direita para o Chega. Dirá aos eleitores de direita que ponderem votar no PSD ou na IL (e talvez PAN) para garantirem uma maioria de governo que não se precisam de preocupar com isso. Com o voto no Chega podem conseguir dois em um: fazer um voto de protesto que não faz maioria sem, no entanto, porem em causa uma governação de direita. Libertam esses eleitores da pressão do voto útil. Não põem em risco uma governação de direita e, para alem de inclinarem o parlamento para o seu lado, mantêm o PS amarrado, sem poder fazer oposição plena. Melhor voto é impossível. Através da desresponsabilização dos eleitores de direita na busca de uma solução de governabilidade estável, convida-se ao voto irresponsável.

E esta opção é errada depois das eleições porque, neste momento, uma aliança informal entre PS e PSD não pode ser comparada ao que aconteceu no final do século passado, entre Marcelo Rebelo de Sousa e António Guterres. Não havia uma extrema-direita em crescimento. Retirar ao segundo partido o papel de líder da oposição é entregar a oposição ao Chega. É garantir que é ele que ganha com tudo o que corra mal. É trabalhar para um partido de extrema-direita já normalizado ter 30% nas eleições seguintes.

O PS não deve sustentar um governo do PSD assim como o PSD não deve sustentar um governo do PS. O maior partido da oposição deve fazer oposição e a liderança dessa oposição deve estar no campo democrático. E para ser alternativa não deve estar amarrada à viabilização sucessiva do governo a que se deve de opor.

Dirão: é só por um ou dois anos. Quem acham que será responsabilizado pela instabilidade quando, ao fim desses dois anos, fizer cair o governo? Não viram o que aconteceu ao BE e ao PCP? Dirão: mas é possível explicar a razão para esta posição aos eleitores. Além da centralidade que tal escolha dá ao Chega, tratado como a alternativa a um sistema que se une porque o teme, alguém acredita que quando o maior partido da oposição viabilizar cada orçamento alguém vai querer saber que o faz por causa do Chega?

Como se resolve o impasse que uma forte votação no Chega poderia causar, num momento em que um governo já tomou posse? Confrontando o Chega com as suas responsabilidades nesse impasse e responsabilizando-o por novas eleições. A solução não é facilitar a vida aos eleitores do Chega, procurando atalhos que agravam o problema. É mostrar-lhes que o voto no Chega é um voto num beco sem saída.»

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