9.2.24

Deixa Pedro Nuno Santos ser Pedro Nuno Santos

 


«Vivia-se um momento de desalento na Casa Branca. Amarrado ao receio do conflito, sentindo-se enfraquecido por uma vitória pouco expressiva, o Presidente instalou, no seu gabinete, uma cultura obsessivamente cautelosa. Ao fim do primeiro ano de mandato, geria o seu poder, em vez de o usar. Os sinais de alarme ouviram-se quando Jed Bartlet caiu cinco pontos numa semana. O que tinha feito? Nada, exatamente. Este episódio de “West Wing” é feito de becos sem saída, decisões por tomar, com a tática a impedir qualquer controvérsia. Lembrei-me da frase “Let Bartlet be Bartlet", que o seu chefe de gabinete escreve num caderno e pousou na secretaria da Sala Oval, a propósito de Pedro Nuno Santos. Há um sentimento geral, entre admiradores e detratores, que está a usar um fato apertado. Alguém o convenceu, ou ele próprio se convenceu, que pode vencer as eleições sendo o que não é. Só sobreviveu politicamente por ser como é: destemido, determinado, impulsivo e sem receio de ter as suas próprias posições. Sem isto, fica o que correu mal, que ele próprio sublinha demasiadas vezes.

O mal de ter anunciado demasiado cedo que faria este caminho é ter-se tornado, demasiado cedo, um alvo preferencial. Os episódios na TAP que o envolveram, que poderíamos encontrar em tantas empresas públicas e privadas ou ministérios a que dedicássemos igual escrutínio, ofuscaram o sucesso do resgate e marcaram a imagem de Pedro Nuno Santos. No entanto, ele mostrou uma resistência rara, sobrevivendo à saída do governo e à passagem pela CPI. Preparava-se para dois anos de travessia no deserto, até chegar à liderança. A sua hora chegou prematuramente, não dando tempo para que tudo ficasse em perspetiva. Mas, como me disse um ex-primeiro-ministro, na política não se fazem planos porque eles saem sempre furados. É neste tempo, depois de uma queda do governo por um caso judicial, que tem de ir a votos.

Quis ultrapassar a ideia de que é um radical. Uma preocupação de quem ouve demasiados comentadores, que não me parece estar presente no eleitorado popular do PS, mais preocupado com a degradação dos serviços públicos. Resolveu isto nas listas, mais costistas do que Costa. Depois, quis apagar a imagem de impulsividade. Sem isso, fica um boneco de plástico e perde o que o distingue de Costa: não arrastar os pés. O que Pedro Nuno Santos tem de reconquistar, para contrariar a perceção criada no espaço mediático pelos episódios da TAP, é a imagem que tinha quando era o pivô da ‘geringonça’. Que conhece o seu programa e as suas propostas. Quanto ao que lhe costuma ser apontado como defeito, deve aproveitar como virtude. A impulsividade ser combatividade; a radicalidade ser, quando o PS precisa de recuperar eleitores que perdeu, alguma rutura — tarefa que já foi difícil para Fernando Nogueira e Ferro Rodrigues, outros incumbentes que não o eram. É indiferente o que pensam sobre ele os que nunca votariam nele. É aos que podem votar que se tem de dirigir. E esses têm de ver o que fez Pedro Nuno Santos vencer a liderança do PS depois de dois anos tão difíceis.

“Let Bartlet be Bartlet”, que dá o título ao 19º episódio da primeira temporada de “West Wing”, é uma referência à frase “let Reagan be Reagan", usada, nos anos 80, pelos conservadores, que queriam que Reagan fosse, no campo oposto ao do fictício Jed Bartlet, o que foi: o homem que mudou a América — na minha opinião, para pior, mas isso é outro tema. Nenhum primeiro-ministro português tem tanto poder. Mas Pedro Nuno Santos não se pode dar ao luxo de fazer o mesmo que Montenegro. Os marqueteiros do PSD fizeram um vídeo para conhecermos melhor “o Luís”. Com a naturalidade de um ator num anúncio a um banco, responde a perguntas “pessoais”. O prato preferido é o nacional, o cozido, mas do que mais gosta é das couves, para não chatear. Apesar de ter sido do conselho superior do FCP, o seu clube é o de todos nós, “Portugal, Portugal”. O livro e o filme são consensuais e neutros, a série e a música são revivalismo popular. A banda é a que hoje enche estádios. A frase da sua vida é conveniente para o momento político e atribuída ao autor errado. Todas as respostas foram pensadas para que ninguém acredite que Montenegro tem personalidade própria. E a sua maior qualidade é, claro, a “autenticidade”. Aposto que o maior defeito é a teimosia.

Luís Montenegro, que até se tem mostrado combativo, pode inventar-se. Não existia nas nossas cabeças. É uma espécie de marca branca da política. Pedro Nuno Santos é, ou pelo menos era, o oposto. E tem de voltar a sê-lo, se quer bater-se por uma vitória. Na forma e no conteúdo. Não tendo medo de provocar ondas, até dentro do seu partido. Não tendo medo de despertar os ódios que, de qualquer das formas, já desperta. Pedro Nuno Santos é do PS e, do ponto de vista programático, não há risco de radicalismo — faz-lhe essa acusação quem, conhecendo mal o país, acha que vence Ventura atacando-o pela direita económica. Mas, acima de tudo, não tendo medo que digam que Pedro Nuno Santos é Pedro Nuno Santos. Contrariar-se é ficar com o pior dos dois mundos. Tem a próxima semana, ainda nos debates, para regressar a si mesmo.»

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