«Desde 2019 que não havia tantos partidos e coligações no parlamento.
Na nossa história democrática – excetuando 2019 e 2022 – só por uma vez tivemos um número igual ou superior a oito partidos no Parlamento. Foi na legislatura que teve início em 1980 com nove partidos, embora quase todos agregados em três grandes coligações mais a UDP.
Ora, parece que esta tendência de profusão partidária veio para ficar, o que implica um aumento do volume de informação a emitir, receber e interpretar. Muitos dos que me estão a ler não são de outros tempos e no tempo de agora os meios são vastos: debates, comícios cartazes, notícias, tempo de antena, redes sociais, memes, inteligência artificial e até países terceiros a financiar a campanha interna.
Estes mediums, meios e sub-meios são sufragados, aos seus múltiplos atos na velocidade estonteante em que acontecem, por painéis sucessivos nos diversos canais televisivos dedicados à informação.
A imagem de um debate de trinta minutos cuja análise se prolonga por horas tem sido, aliás, uma das caricaturas desta campanha.
De qualquer modo, a instabilidade política no país veio para ficar, certamente será uma nova forma de estabilidade, e por isso toca a encher as televisões de comentadores. No contexto mediático que mencionei há dois parágrafos, personalizar é mais rentável que reportar. O espaço ocupado agora pelo comentador já foi o da reportagem.
Talvez, de facto, exista tanta informação de todos os lados que até seja sensato que alguém possa comentar: sufragar, retificar, acrescentar, complementar, concordar e discordar.
Uma das tiradas mais comuns de quem comenta é a de que o “político falou para o país”. Pressupomos, por isso, que os comentadores conheçam o país. E daí, regateiam entre si o seu próprio conhecimento sobre o “país real”, exercício muitas vezes realizado através de interpostas pessoas, sejam a empregada doméstica, os netos e amigos da universidade privada ou o entregador da Glovo.
Acontece que no país real na Rua dos Sete Moinhos em Lisboa, nas escadinhas da “Tita” no Pendão, na “Manilha” em Campo Redondo e no Salão “Nathalie” em Nogueira ninguém conhece os ditos comentadores embora se saibam comentados.
Destes locais também se olha para os comentadores como outro país real, não muito diferente da endogamia dos interesses dos partidos. São os que saem de carro das suas garagens diretos para o estúdio; não conhecem as vicissitudes da escola pública, do SNS, das ruas; são senhorios e não inquilinos; tudo direitos que se lhe assiste, não é essa a questão.
Olhando para os painéis não abunda a diversidade. Encontramos essencialmente licenciados em direito, ciência política, relações internacionais e comunicação social. São politólogos, consultores políticos e jornalistas. Destes, talvez os últimos sejam os que por exercício profissional tenham estado mais perto de um número alargado de pessoas em diferentes situações, mas os que encontramos a dar opinião abandonaram a reportagem há décadas, e os mais novos saíram diretamente da universidade e da sua rede social para o estúdio.
Este distanciamento e falta de empatia tem consequências concretas, embora talvez seja uma opção editorial e não tanto uma ingenuidade. Passa-se muito tempo a discutir politiquices e não política. Acentua-se a bolha mediática alienando a audiência, acentuando o processo de desfiliação e aumentando a não inscrição do público em geral, contribuindo para o seu afastamento e adesão ao populismo e voto de protesto.
Podia perfeitamente não ser assim. Para o comentariado e opinião não faltam profissionais de outras áreas mais perto do dia-a-dia de muitos, não falta sociedade civil em que a população se pode representar a si mesma.
São opções. Vivemos com elas.»
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