«Sinto alguma dificuldade em criticar os filmes de outros realizadores por saber exatamente o quão difícil é fazê-los. Realizar implica uma miríade de escolhas complexas, que tanto se podem traduzir em gestos muito concretos, eficientes e compaginados, como desembocar em derivas mais selvagens e colaterais, que cada um tenta domar o melhor que pode. Por isso, por ousarem fazer, ainda que expostos a um permanente risco de desordem, os realizadores são pessoas com o seu quê de admirável, apesar dos filmes péssimos que possam fazer.
Talvez o mesmo se passe em relação ao exercício da política, profissão também muito complexa e contingente. Pode-se considerar que, não obstante os programas que defendem, ou de os resultados que apresentam não serem sempre brilhantes, os políticos são também gente admirável. Na verdade, é uma sorte existirem entre nós pessoas que se dedicam à política e talvez não lhes estejamos tão agradecidos como deveríamos.
Os políticos têm vidas difíceis: é-lhes exigido que saibam sempre o que dizer, e, quando se enganam ou hesitam, num número, numa ideia, sabem que tal não será esquecido. Movimentam-se no interior de um regime de interpretação constante, de falha à espreita. Têm de se mostrar regulares, engomados, preparados e sem pecados de maior. Mas, nem assim, nem assado, escapam à crítica: se ajeitam o cabelo quando as câmaras se aproximam, são vaidosos; se aparecem despenteados, não têm sentido de Estado. Se mostram estar muito seguros de si, são bonecos arrogantes: se se vulnerabilizam (se choram), é só porque querem parecer sensíveis.
Não devemos esquecer que existem também os políticos corruptos, aqueles que asseguram para si próprios e por todos os meios ao seu alcance uma vida significativamente melhor do que a dos seus concidadãos.
No entanto, se atentarmos nos políticos que temos vindo a acompanhar nesta campanha eleitoral, regra geral parecem bastante mais impecáveis do que corruptos. Quando muito, por vezes e disfarçadamente, une-os a todos a expressão de um grande cansaço. Como se, meio perplexos, avaliassem a fadiga que lhes provoca o esforço de síntese, a corrida contra o tempo, o dever de vencer, a voracidade e a ferocidade de tudo em seu redor. Os políticos estão hoje sujeitos a desempenhar papéis em curtas e curtíssimas metragens, instantâneas e em direto. Face à complexidade interligada dos problemas e das soluções que querem discutir, a tarefa deve ser muitíssimo difícil de cumprir. Para além da exposição de ideias, os políticos têm também o dever de produzir pensamento estratégico: em cenários futuros, quem inviabiliza quem; que alianças ou linhas vermelhas se desenham. É-lhes hoje pedido que joguem a pensar nas consequências que terão, no próprio jogo, os resultados. Ufa!
Por outro lado, porque é curto o tempo dos políticos — talvez tenha mesmo de ser assim, não o discuto —, será então importante deixá-los concluir o máximo possível de raciocínios. A quem modera cabe fazer cumprir as regras, entre as quais a de minimizar interrupções, tendo também o dever de distribuir jogo ferindo o menos possível o discurso dos participantes — o que nem sempre acontece. A inconclusão na exposição das ideias, seja provocada por quem for, causa ansiedade e enerva. É fácil supor que também deva enervar imenso quem é interrompido.
Vai ser necessário continuar a olhar para os políticos com alguma severidade, mantendo-nos exigentes e vigilantes, mas teremos também de os começar a defender e amar, pelo menos um bocadinho — fazê-lo é proteger a democracia.»
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