«Chega era uma hecatombe previsível, talvez de dimensões ainda maiores do que o esperado, porque parece ter sido o principal motor para a queda da abstenção. Sobre as razões para este resultado, terei de escrever outro texto, com dados mais finos e ponderados dos resultados eleitorais – de onde veio exatamente aquele voto?
Há três dados incontornáveis: a esquerda tem o seu pior resultado de sempre, a AD tem uma vitória de Pirro (menos percentagem do que o PSD e o CDS juntos nas últimas eleições) e o PS tem uma derrota clara (sobretudo quando veio de uma maioria absoluta), ficando quase empatado com a AD.
O essencial é isto: a AD não consegue formar maioria sem o Chega e o PS, apesar de toda a esquerda ter mais do que a AD com a IL, não consegue formar uma “geringonça”. O debate sobre a tomada de posse de Luís Montenegro é o mais simples e o menos relevante. Basta que a esquerda não apresente qualquer moção de rejeição do programa para esse problema não ser um problema. A questão é, como me fartei de escrever, a viabilização do governo. Ou seja: a aprovação do Orçamento de Estado. Sendo certo que há um Orçamento em vigor e quem o aprovou não tem qualquer dever de o retificar, é no fim do ano que a questão se põe.
A pressão do centro-direita é e será a que se espera: que seja o Partido Socialista a viabilizar os governos de Luís Montenegro com Rui Rocha, uma situação absolutamente contranatura. Como ficou evidente no discurso de Luís Montenegro, quando deixou claro, com toda a legitimidade da vitória estreita (que a sua “alegria contagiante” demonstrou), que era o seu programa, oposto ao socialista, que ia ser aplicado.
Escrevi-o vezes sem conta: com um Chega inchado, PS e PSD suportarem governos do outro é garantir que o Chega lidera a oposição e cresce ainda mais. Mas quando escrevia isto era a pensar num Chega com 15%. O Chega conseguiu ultrapassar os 15,9% do CDS, em 1976; os 17,9% do PRD, em 1985; e ficou muito perto dos 18,8% da APU, em 1979. Não é apenas o terceiro partido. É um partido com todas as condições para liderar a oposição e recolher todo o descontentamento que venha a existir se lhe fizerem esse favor.
Quem defenda que o PS deve suportar um governo da AD e da IL não quer salvar o país e a direita do Chega, quer retirar ao PS o legítimo dever de liderar a oposição e abrir o caminho à sua decadência, libertando o Chega da pressão política que o obrigue a ser claro em relação aos seus eleitores. O Chega, pronto para mostrar ao país que o sistema se une contra si, agradeceria e continuaria a engordar. Olhem para a Europa.
Com a vitória de Pirro da AD e a derrota do PS, o apoio mútuo seria um abraço de dois náufragos, com morte certa por afogamento e o Chega a olhar seguro, do seu barco. Fez muito bem Pedro Nuno Santos em deixar tudo claro, para não abrir uma interminável novela de meses. Cabe à AD apresentar, em outubro, o Orçamento de Estado e deixar que o Chega escolha a queda do governo, pagando o preço por isso, ou aceitar que não está de fora o sistema, e pagar o preço por isso.
Como o BE e o PCP podem explicar, quem se assumir como suporte dos orçamentos deste governo será responsabilizado por uma crise política, quando deixar de o fazer. Não vale a pena pensar que é só por um ano ou dois. Como António Costa mostrou, é fácil escolher o momento para esticar a corda e obrigar à crise política. Se o PS se puser nessa posição, está a enfiar o pescoço nessa guilhotina e a libertar o Chega da responsabilidade de responder aos eleitores de direita. Quem defenda este caminho está objetivamente a ajudar ao crescimento da extrema-direita. Talvez numas próximas eleições o abalo fosse muitíssimo maior. Que seja, por uma vez, responsável pelas escolhas que faz. Sem ser salvo.»
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