«A noite de eleições foi coberta por um espetáculo de superlativos que se inscreve na história com a pompa de um déjà vu crónico: a afluência às urnas atingiu picos nunca antes vistos: apoteose da participação democrática. A ascensão de uma terceira força ao pódio da representação nacional não se fez por menos, gravando-se nos anais como um feito sem precedentes. E, como se não bastasse, a margem que acabou por separar Luís Montenegro de Pedro Nuno Santos reduziu-se afinal a um fio tão ténue que quase nos faz questionar se houve mesmo um vencedor ou se saímos, afinal, todos empatados. É que há sempre um recorde, mais uma excepção, mais um feito sem paralelo – mas que raramente surpreende.
A curta vitória de Luís Montenegro é só isso – um feito do líder que arrasta os seus, quase a contragosto, para um triunfo ténue. A Aliança Democrática consegue escapar-se do entalanço entre duas forças nas suas pontas porque Luís Montenegro reconheceu o recentramento e reclamou-o para si, contra tudo e contra todos. Não ganhou, mesmo que à queima-roupa, porque Passos Coelho inspirou os reformados, nem pela acutilante pertinência de Paulo Núncio, nem mesmo pela temperança calculada de Oliveira e Sousa. Ganhou apesar de todas as vozes (certamente bem-intencionadas) que o desautorizaram.
E Montenegro já se apercebeu disso: no discurso de vitória, reafirmou o não é não, reiterou o compromisso de reconciliação com os pensionistas e manteve a moderação no discurso. Querendo sobreviver na corda bamba, sabe que tem de chegar ao Orçamento do Estado com o capital de confiança em alta, e conseguirá fazê-lo com medidas que possam ser implementadas sem passar pelo crivo da Assembleia da República – adiando, assim, confrontos diretos. Terá de emular Cavaco em 1985 e fazer campanha através do cargo, rezando por um erro à-la-PRD.
Para o Partido Socialista, o resultado dificilmente poderia ter sido melhor. Pedro Nuno Santos, acólito do mantra errar em ação, beneficia de uma derrota suavizada por expectativas já de si baixas. Depois de oito anos e de uma saída precipitada e nebulosa de António Costa, poucos lhes imputavam a responsabilidade de vencer. Se ganhasse, aliás, a governabilidade pareceria uma miragem – mesmo com a esquerda a estender-lhe a mão. Depois de uma campanha a promover valores vagos, entre a continuidade e mudança, mas a vender-se como um homem de ação, Pedro Nuno consegue o melhor de dois mundos: quase ganha, mas não perde totalmente.
A estreita vitória da Aliança Democrática permite-lhe ganhar fôlego para calibrar as fileiras socialistas, dá tempo a António Costa para que consiga sair ileso da saga judicial e, com sorte, ganhar as eleições europeias, e permite-lhe consolidar a confiança que lhe foi dada – tudo isto antes de dar o golpe final a Montenegro.
É que, ao contrário do líder da AD, Pedro Nuno Santos tem o privilégio mais raro da política: pode esperar. Não tendo ninguém à sua esquerda capaz de o engolir, pode replicar o jogo de paciência que ensaiou na primeira semana de campanha. O primeiro adversário de Luís Montenegro não será o PS, mas André Ventura – que, ao contrário de Pedro Nuno, ainda não clarificou se votará a favor de um Governo que não o inclua. O PS só terá de conseguir não interferir enquanto a Aliança Democrática navega águas turbulentas. A estratégia não é nova, mas raramente se apresenta tão oportuna: deixar o adversário enterrar-se com as próprias mãos, enquanto se assiste, pacientemente, do lado seguro da trincheira.»
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