10.3.24

Meio país ignorado

 


«As escolhas que hoje decidirão o futuro do país serão tomadas essencialmente por quatro distritos e estarão fortemente inclinadas para a faixa litoral. É nela que se concentram 175 dos eleitos, ficando a faixa interior (nela incluída o distrito de Santarém) com apenas 40. Todos sabemos que Lisboa e Porto absorvem 88 dos 230 lugares do hemiciclo, mas não sei se habitualmente nos lembramos que também distritos como Setúbal e Braga (19 deputados cada) elegem, sozinhos, mais representantes do que os seis distritos do interior raiano (somados, valem apenas 18).

Dir-se-á, e é verdade, que esta distribuição espelha a realidade de um país demograficamente assimétrico. Como mostraram os Censos 2021, um quinto da população está concentrada nos sete maiores municípios, que abrangem uma área correspondente a apenas 1,1% do território nacional.

Não é aceitável, ainda assim, que se ache adequada uma forma de representação que vai alimentando um círculo vicioso. Enfraquecido, o interior fica cada vez mais despovoado e vai perdendo os seus representantes. Sub-representado politicamente, continua a ver enfraquecida a sua voz e capacidade de influenciar decisões que contribuam para inverter o estado de coisas.

Há outras consequências desta forma de representação. Além do risco de os programas políticos falarem sobretudo para os principais círculos eleitorais, deixando de fora uma fatia considerável da população portuguesa, acentua-se o afastamento de muitos cidadãos das urnas, sentindo que as suas escolhas não têm efeito prático. Em 2022, foi o que aconteceu a mais de metade dos votos em Portalegre, que elege apenas dois deputados.

Quando amanhã o país acordar a debater questões de governabilidade e desafios imediatos resultantes das eleições, este problema será provavelmente ignorado. Como tem sido ignorada uma grande parte do país que não dá votos. Cabe ao futuro Parlamento refletir, a sério, se nele cabe todo o território que lhe compete representar.»

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2 comments:

António Alves Barros Lopes disse...

É a questão do voto útil e do voto inútil que surpreendentemente António Barreto diz num entender (Ver PUBLICO de 9 de Março de 2024 - O QUE É O VOTO ÚTIL?).

Portugal é um pais Rural governado por gente de mentalidade urbana. O interior num conta. A ruralidade é para ser engolida pelo urbano ( Raquel Soeiro de Brito?)

O certo é que não conta votar diferente se esses votos forem para o lixo. E grande percentagem de votos do interior vão mesmo para o lixo!

Vitor Hugo Vieira disse...

Constata-se que os 7 maiores distritos do país, Beja, Évora, Santarém, Castelo Branco, Bragança, Portalegre e Guarda, que juntos perfazem 53,4% da área do País, elegem um total de 27 deputados, o que corresponde a 11,7% do total.

A manter-se esta tendência de desertificação do interior, dentro de algumas décadas podemos chegar ao absurdo de ter distritos que não elegem deputados.

Parece-me bastante claro que o critério demográfico não devia ser o único a ser levado em conta para o cálculo dos deputados a eleger por distrito, critérios como a área do mesmo e a aplicação de algo como um factor de interioridade que de algum modo faça uma pequena compensação deviam ser pensados no futuro.

Não se pretende com estas ponderações que de repente Beja eleja mais deputados do que Lisboa por ter maior área e maior factor de interioridade, mas os números actuais, Lisboa com 48 deputados e Beja com 3, são completamente ridículos, pela sua desproporcionalidade.