2.3.24

Radicalização à direita da campanha da AD

 


«As eleições legislativas antecipadas no domingo 10 de Março serão um momento de viragem na governação em Portugal, seja qual for o partido ou coligação que vier a ganhar nas urnas. Depois de oito anos de governação do PS de António Costa, mesmo que os socialistas ganhem, a governação de Pedro Nuno Santos, o novo líder, será sempre diversa. Embora, em muitos dos temas políticos, as orientações sejam de continuidade, até porque o programa e o ideário social-democrata do partido são os mesmos, é evidente que, quer pela personalidade, quer pela geração, quer ainda pelo momento concreto em que o país vive, um governo de Pedro Nuno Santos comportará também ele mudanças, ainda que na continuidade. Uma viragem de orientação governativa que está explícita na proposta e no discurso de Luís Montenegro, líder do PSD, e da coligação pré-eleitoral Alternativa Democrática (AD), que inclui também o CDS e o PPM.

Na semana de campanha que resta, ainda muito está em aberto. A percentagem de indecisos nas sondagens é elevada e é sabido que um número significativo de eleitores só decide o seu voto na última semana de campanha ou mesmo no próprio dia das eleições. Resta aos líderes de todas as forças políticas em disputa defenderem as suas propostas e conquistarem votos para o seu projecto. Mas era bom que se falasse mais de propostas e projectos para o país, até como forma de ajudar os eleitores a decidirem. Sobretudo, das grandes questões da sociedade como a habitação, a saúde, a educação, a justiça.

Até agora, a mediatização do debate eleitoral tem sido contaminada por outro tipo de questões, menos nobres e mais tácticas. A última semana de pré-campanha foi dominada pela discussão sobre estratégias de alianças pós-eleitorais. Depois de, no frente-a-frente nas televisões, Pedro Nuno Santos ter surpreendido ao garantir que os socialistas viabilizariam um governo minoritário do PSD, a verdade é que o líder do PS levou dias a clarificar a sua posição e a esclarecer que tal só acontecerá se houver uma maioria de direita e o PS não conseguir uma convergência parlamentar à esquerda.

A demora de Pedro Nuno Santos em deixar clara a sua posição, mas também a forma como Luís Montenegro se recusou a esclarecer se o seu partido viabilizará ou não um governo minoritário do PS, acabou por reverter a favor de Luís Montenegro. Isto porque, enquanto o líder do PS se desdobrava em declarações, aparentemente contraditórias, o líder do PSD manteve o silêncio e chamou sobre si a atenção dos jornalistas, ganhando alguma dinâmica de campanha. Mas a mobilização e a centralidade da AD, na campanha, aumentaram na segunda-feira, no comício de Faro, em que participou Pedro Passos Coelho.

É sabido que o ex-primeiro-ministro é uma personalidade política que empolga o PSD e une a direita, na idêntica proporção que irrita e é rejeitado pela esquerda. Mas a viragem que Pedro Passos Coelho trouxe à campanha não foi só o facto de estar presente. A forma como discursou, o conteúdo do que disse, veio recolocar a campanha da AD e puxá-la mais à direita, radicalizá-la, talvez na tentativa de combater a fuga de votos para o Chega. Com um tom mais conservador do que Luís Montenegro tem adoptado, Pedro Passos Coelho afirmou: “Nós precisamos de ter um país aberto à imigração, mas cuidado que precisamos também de ter um país seguro.”

Uma declaração de teor populista radical de extrema-direita, securitária e xenófoba, que faz uma associação falsa entre imigração e criminalidade, como o PÚBLICO demonstrou numa Prova dos Factos. Isto num país que é dos mais seguros do mundo, em que a criminalidade não vem maioritariamente de imigrantes e em que estes, aliás, são necessários ao funcionamento de alguns sectores da economia, e garantem, actualmente, a sustentabilidade da Segurança Social e asseguram o crescimento demográfico.

Por mais disparatada e falsa que tenha sido a afirmação de Pedro Passos Coelho, a verdade é que marcou a campanha e abriu a porta a um crescendo de discurso conservador, que, na terça-feira, foi continuado, num debate de campanha organizado pela Federação Portuguesa pela Vida, por Paulo Núncio, candidato da AD, no círculo de Lisboa, e vice-presidente do CDS. “Depois de a liberalização ter sido aprovada por referendo, embora não vinculativo, mas com significado político, é muito difícil reverter a lei apenas no Parlamento. Acho que a única forma de revertermos a liberalização da lei do aborto passa por um novo referendo”, defendeu.

Na quarta-feira de manhã, o líder do CDS, Nuno Melo, veio desautorizar o seu vice-presidente, garantindo que um referendo ao aborto “não é tema para a próxima legislatura” e “não consta do programa da coligação”. E o líder do PSD e da AD, Luís Montenegro, considerou que se trata de um “assunto fechado”. Mas a tirada conservadora de Paulo Núncio, ao criar polémica, diversificou o ideário que se reúne na coligação e aumentou a mediatização da campanha da AD.

Radicais e com carácter até negacionista de que há uma crise climática, foram as declarações, na quinta-feira, do cabeça de lista da AD por Santarém e ex-líder da CAP, Eduardo Oliveira e Sousa, que defendeu que “sempre existiram fenómenos extremos”, como fortes inundações, e criticou o Governo por ter recusado um investimento em eucaliptos por “falsas razões climáticas”.

É pena que a campanha esteja a ser contaminada por polémicas de radicalização populista de extrema-direita. Na semana que resta, era importante que os partidos e coligações falassem mais dos problemas do país. Mas é sobretudo de lamentar que a AD esteja a radicalizar o seu discurso à direita, no que pode ser uma tentativa de travar o voto no Chega, mas que, na prática, normaliza o partido de André Ventura. E transforma o perfil político do Parlamento, onde este partido populista radical de extrema-direita vai crescer, protagonizando uma das mudanças do novo ciclo político.»

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