«Não é falta de criatividade. Pelo menos do autor desta crónica. Quando muito, será de uma lei eleitoral desajustada, anacrónica e incompreensível, que patrocina portugueses de primeira e de segunda. O dia de reflexão chega a ser anedótico.
Em 2019, neste mesmo espaço, já se alertava para a discrepância imposta por esta lei na véspera das eleições. Nas legislativas de então, o voto antecipado foi opção para mais de 50 mil eleitores. Nas europeias, 14 mil foram mais cedo às urnas. Para o sufrágio deste domingo, as inscrições para o voto antecipado ultrapassaram as 200 mil. Na prática, há portugueses que elegem os seus representantes enquanto a campanha eleitoral está a decorrer e outros que são “obrigados” a refletir antes de o fazerem.
De resto, e também não é novidade, com a digitalização da sociedade e dos seus processos comunicativos, este dia não deixa de ser apenas um dia fingido. Um dia do faz de conta. A propaganda, na véspera e no dia da eleição, é proibida em páginas e cronologias pessoais. Portanto, as regras ignoram sistemas de partilhas de mensagens instantâneas. A violação à lei nas redes sociais também será impossível de fiscalizar caso atinja uma dimensão substancial.
Marcelo Rebelo de Sousa, precisamente em 2022, pediu uma “oportuna reponderação” do dia de reflexão. No domingo passado, repetiu a mensagem. Vários constitucionalistas também defendem a extinção da regra. Já a Iniciativa Liberal tentou acabar com a limitação, mas teve a oposição do PS, PSD, PCP, CDS-PP e PEV.
Há de facto muito para refletir. Este ano, ainda há mais motivos para o fazer, sobretudo quando assistimos ao crescimento do populismo e da aposta na política espetáculo. Não houve espaço para debater conteúdos programáticos e não faltou tempo para dar pontos a este e àquele, como se estivéssemos a atribuir estrelas Michelin. Há muito para ponderar, avaliar. Mas não num dia.»
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