21.6.24

Um português, um francês e um inglês entram no Vaticano

 

João Fazenda

«O Papa convidou cerca de 100 palhaços de todo o mundo para irem ao seu encontro e os palhaços resolveram aceitar o convite. Julgo que foi a decisão certa. A vetusta solenidade do Vaticano não podia ter menos a ver com comédia, e os palhaços nunca devem perder uma oportunidade para estarem onde não devem. À hora marcada, os palhaços aglomeraram-se junto à Porta del Perugino, e Fábio Porchat, da comitiva brasileira, fez a pergunta que nos intrigava a todos: porque teremos sido convidados? Eu disse: “Há 500 anos seria para nos cortar a cabeça, Fábio, mas agora não. Acho eu.” E respirei fundo, para tentar perceber se alguém estava a atear uma fogueira nas proximidades. Não me cheirou a fumo, mas lembrei-me da frase que os padres que me educaram repetiam várias vezes: “Graças a Deus, muitas; graças com Deus, nenhumas.” Talvez tivesse chegado a Roma a notícia de que eu não tinha cumprido esse preceito.

Entrámos e sentaram-nos numa sala guardada por seis soldados da Guarda Suíça, todos vestidos com o tradicional uniforme às riscas amarelas e azuis, e com um capacete encimado por um penacho vermelho. São homens que pertencem a um corpo militar no qual só uns poucos escolhidos têm a sorte de poder entrar, e cumprem a honrosa missão de proteger Sua Santidade, o Papa, líder espiritual de um terço da Humanidade. Provavelmente para não deixar que a vaidade lhes suba à cabeça, obrigam-nos a trabalhar vestidos de arlequim.

Enquanto esperavam, alguns palhaços começaram a ficar inquietos. Chris Rock sentiu-se na obrigação de exibir alguma rebeldia e pôs a tocar, no telemóvel, os versos “I like big butts and I can not lie/ You other brothers can’t deny” da canção ‘Baby Got Back’, de Sir Mix-A-Lot. Em termos de irreverência, no entanto, Rock foi batido por Jimmy Fallon, que optou por comparecer na cerimónia bêbado — o que requereu algum talento, uma vez que eram 7 da manhã. Mas o maior iconoclasta foi um senhor vestido de branco que a certa altura entrou, sentou-se numa cadeira e disse: “Podemos rir de Deus? Claro que sim.” Olhei para a Guarda Suíça. Os guardas nem se mexeram. Nenhuma vontade de castigar aquela heresia. Não era a primeira vez na História que alguém exprimia aquela ideia, mas tenho quase a certeza de que era a primeira vez que um Papa o fazia.

Quando recebi o convite para ir a Roma pensei no que a minha avó diria se ainda cá estivesse. Creio que tentaria descobrir como se telefonava para o Vaticano, para dizer: “Têm a certeza? Pensem bem. Conheço-o desde que nasceu, e a ideia de que um dia ele seria recebido aí nunca me ocorreu. Pelo contrário, sempre tive a forte suspeita de que mais cedo ou mais tarde ele seria recebido no inferno, e não foram poucas as vezes em que desejei ser eu a ir lá entregá-lo pessoalmente.” Parece-me que os acontecimentos lhe deram razão. Pessoas como eu aparecem no Vaticano e de repente o Papa começa com ideias esquisitas. Ela teria muitas dúvidas de que fosse coincidência.»


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