«Era fácil adivinhar que o debate sobre o estado da nação se iria transformar no debate sobre o estado da negociação (do Orçamento para 2025). Confirmou-se.
A avaliar pelo que se passou na manhã desta quarta-feira na Assembleia da República, o estado da negociação do Governo com o PS não passou do grau zero e as perspectivas de um acordo entre os dois partidos para que os socialistas se possam abster parecem ser apenas possíveis (a avaliar pelo discurso de animal feroz de Luís Montenegro) se o PS estender uma passadeira vermelha ao primeiro-ministro, curvar-se aos desejos da AD e ungir com os óleos sagrados o Programa do Governo.
Na semana em que Pedro Nuno Santos mastiga a gravata (faz marcha-atrás no seu antigo discurso de “não é não” à viabilização de um orçamento AD) e propõe-se a abrir negociações com o Governo, Montenegro responde com algumas pedras na mão como se tivesse um poder absoluto que manifestamente não tem.
Poderá dizer-se que as palavras agressivas de Montenegro, quase reveladoras de quem não quer negociar nada, neste estranho “estado da nação”, não passaram de jogos florais, de bracinhos de ferro com vista a marcar posições para uma negociação que começará a ser discutida a sério lá mais para o Outono.
Talvez Luís Montenegro só queira mostrar que é forte e talvez os pedidos de “deixem-me governar” ou “trabalhar” que tem distribuído pelo país – e esta quarta-feira mais uma vez – são meros ímpetos da emulação cavaquista a que não é capaz de resistir, tendo em conta o sucesso que obteve o seu antecessor nos anos 1985-1995.
A acusação de “deslealdade” (??) não foi um bom começo de conversa para quem sabe que precisa que o maior partido da oposição viabilize – pela abstenção – o Orçamento. É possível que Luís Montenegro não queira mesmo negociar nada de substancial com o PS de forma a permitir a Pedro Nuno Santos não perder ainda mais a face.
Mesmo Pedro Duarte, o ministro dos Assuntos Parlamentares, que falou num tom muito mais conciliador do que o primeiro-ministro, voltou a repetir aquelas frases que já se transformaram numa espécie de “hinos” deste Governo: “O que está hoje em cima da mesa é a responsabilidade de cada um de nós” ou “nenhuma aspiração pessoal ou partidária deve ser maior que a ambição que temos para o país”. De um lado, a “ambição” do Governo, do outro as “aspirações partidárias” da oposição.
Cavaco Silva bem dizia que não era “político” e quase 40 anos depois percebe-se que o discurso continua a pegar no país da democracia tão jovem. Nada melhor para um político ou para um governo do que fingir não ser “político” e afirmar-se contra as “aspirações partidárias”. Esta tem sido a narrativa deste Governo e em discurso que está a ganhar – a avaliar pela popularidade do primeiro-ministro nas sondagens – não se mexe.
É provável que o objectivo do Governo seja só o de humilhar o PS, tentando obrigá-lo a uma viabilização com os contornos da “abstenção violenta” de António José Seguro em 2011, para evitar ir a eleições (um cenário inaceitável).
Agora, é a lei da vida: entre a espada e a parede, é sempre melhor escolher a espada. Por muito que, por estes dias, o cenário seja favorável à direita, uma abstenção do PS ao Orçamento sem contrapartidas decentes será uma festa para a AD e insustentável para o PS a médio prazo.
O PS terá que voltar à casa de partida e votar contra, tal como Pedro Nuno Santos tinha dito desde o primeiro dia. A avaliar pelo discurso de André Ventura, o Orçamento será aprovado com os favores do Chega. Foi assim nos Açores e na Madeira e o Chega tem muito a perder com uma crise política.»
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