24.9.24

Não, o Líbano não pode ser outra Gaza

 


«As presidenciais dos EUA são uma contagem decrescente para a Ucrânia. O Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, está nos EUA para apresentar um “plano de vitória” a Joe Biden e a Kamala Harris, tenciona encontrar-se com Donald Trump, enquanto visita fábricas de armamento, espera que Washington reforce o apoio militar e levante as restrições ao uso de mísseis de longo alcance.

Ao mesmo tempo, Zelensky assegura que o seu plano é uma forma de forçar a Rússia a terminar a guerra, que se aproxima dos mil dias, e admite iniciar negociações directas com Moscovo. “Não pode haver um fim para a guerra sem uma das partes envolvida”, diz Zelensky. Não pode ser de outro modo. A Ucrânia prefere tentar acabar com a guerra o mais rapidamente possível, antes que um novo inquilino da Casa Branca a force a fazê-lo numa posição negocial ainda mais desfavorável.

O que acontece com Israel é o oposto. Benjamin Netanyahu teve e vai continuar a ter carta-branca dos aliados, até às eleições de Novembro, sem as restrições de que se queixa Zelensky, para atacar quem quiser e como quiser.

Com as acções dos últimos dias, dos ataques indiscriminados da semana passada, com a explosão de pagers e walkie-talkies, até aos bombardeamentos desta segunda-feira, que causaram mais de duas centenas de mortos, Israel pretende fazer alastrar a guerra e atrair o Irão para um conflito regional, uma semana depois de o novo Presidente iraniano ter admitido negociar com os EUA. Nada nem ninguém trava o desejo de Netanyahu de fazer alastrar as frentes de guerra.

A sua estratégia é destruidora, desproporcional e ignora ostensivamente o direito internacional. Gaza está arrasada, os colonos agem selvaticamente sobre a população árabe da Cisjordânia, militares israelitas atiram cadáveres de um telhado, numa banalização quotidiana do mal, e o Líbano corre o risco de ser uma nova Gaza, como alertou o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres.

A complacência ocidental mantém-se inquebrável e não vai além de declarações vagas de preocupação, como foi o caso do Presidente dos EUA, que se limitou a dizer: “Vamos fazer tudo o que pudermos para evitar o início de uma guerra mais vasta.” A União Europeia faz o mesmo. O seu alto-representante para os Negócios Estrangeiros e Política de Segurança diz que a UE está “extremamente preocupada” com o desenvolvimento desta frente de guerra e que “os civis de ambos os lados estão a pagar um preço elevado”.

Bem pode a Administração norte-americana dizer, como fez John Kirby, porta-voz de Biden, que uma escalada do conflito com o Hezbollah não é do interesse de Israel, o mesmo que disse David Lammy, secretário britânico dos Negócios Estrangeiros, que não serão declarações com essas a impor uma trégua em Gaza ou a travar os desejos de expansão de Netanyahu.

E nem os reféns israelitas e os seus familiares são motivo suficiente para demover o Governo de Netanyahu de fazer alargar esta guerra sem limites. Uma maior e acelerada desestabilização do Médio Oriente terá repercussões globais. Apesar disso, as potências ocidentais vão continuar a armar Israel sem problemas de consciência e a enterrar a sua credibilidade.

Neste momento, há 110 conflitos armados em todo o mundo. As atenções ocidentais estão focadas numa guerra na Europa e noutra no Médio Oriente, mas estas estão longe de serem as únicas com consequências devastadoras para os civis.

Uma criança morre a cada duas horas, no campo de refugiados de Zamzam, nos arredores da cidade sudanesa de El-Fasher, de fome ou de doença. A guerra civil no Sudão, iniciada em 2023, é, na certa, o conflito com consequências mais devastadoras em todo o mundo: cerca de 150 mil pessoas terão morrido, 245 cidades terão sido queimadas e 10 milhões pessoas deslocadas.

Ucrânia, Gaza e Sudão são assuntos a discutir no debate anual da Assembleia Geral da ONU, que começa esta terça-feira em Nova Iorque, com o lema “Não deixar ninguém para trás: agindo juntos para o avanço da paz, do desenvolvimento sustentável e da dignidade humana para as gerações presentes e futuras”.

As Nações Unidas não foram aceites como intermediários nos processos de paz destas três guerras. O seu papel é ainda importante? Esta assembleia geral pode ajudar a responder à questão. A aprovação do Pacto para o Futuro para reformar a governação internacional, nomeadamente o Conselho de Segurança, é uma medida necessária para um mundo mais equilibrado.

A ONU pode não ter poder nem dinheiro, mas sem ela não haveria assistência humanitária, e os “custos elevados” dos civis seriam ainda maiores. A sua reforma é uma exigência humanitária.»


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