4.10.24

Precisa-se: nova figura de estilo sobre o Orçamento do Estado

 


«Ainda faltam quase dois meses para a votação final do Orçamento do Estado e eu já estou farto do Orçamento do Estado. A culpa é tanto de quem negoceia o Orçamento do Estado como de quem comenta a negociação do Orçamento do Estado. Quem negoceia apresenta todos os dias as mesmas estrategiazinhas, habilidades tácticas, vitimizações; quem comenta recorre a toda a hora às mesmas metáforas para analisar as estrategiazinhas, as habilidades tácticas e as vitimizações. Quem negoceia está disponível para discutir com sentido de Estado, maturidade e responsabilidade, até porque sabe que a vontade do povo é evitar novas eleições, mas infelizmente esbarra na inflexibilidade de todos os outros.

Quem comenta vê nas negociações uma telenovela com demasiados episódios, um casamento disfuncional, um jogo de póquer, e um daqueles filmes em que dois pilotos conduzem o seu carro na direcção um do outro para ver qual deles resiste mais tempo a dar uma guinada no volante. Fala-se muito da nossa pobreza económica mas raramente se refere a nossa pobreza estilística. As figuras de estilo ajudam a compreender a realidade, mas estas metáforas recorrentes não têm contribuído para ficarmos a perceber melhor o Orçamento do Estado. Talvez também não ajude o facto de o Orçamento do Estado ainda não ter sido apresentado. Tendo em conta que ainda falta quase uma semana para a sua apresentação, e uma vez que estamos em Portugal, o mais provável é que o Orçamento ainda não exista, sequer. Tenho esperança, por isso, de que as divergências se atenuem. É natural que as pessoas discordem umas das outras a propósito de coisas que não existem — como a história das guerras religiosas demonstra. Mas quando o Orçamento existir é possível que a discórdia esmoreça. Aliás, há um ponto no qual toda a gente parece estar de acordo. Quem será o maior beneficiário do Orçamento do Estado? Os jovens? Os reformados? As empresas? A resposta certa é, evidentemente, o Chega. Se PS e PSD se entenderem, ganha o Chega, que passa a ser o grande partido da oposição. Se PS e PSD não se entenderem, ganha o Chega, que passa a ter o poder de condicionar o Governo. Dos jogos do campeonato do mundo de futebol costuma dizer-se que são onze para cada lado e no fim ganha a Alemanha. No Orçamento do Estado é parecido: cada lado apresenta números e no fim ganha quem aprecia os anos 30 da Alemanha.»


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